Finalista do 62º Prêmio Jabuti, "mestre" terena deixou os índios de Miranda órfãos de sua presença, mas não de seus ensinamentos
No dia 24 de setembro de 2020 o que ficou nas comunidades indígenas de Miranda foi o vazio. Mas também se manifestou o legado de um professor que foi além dos muros da escola e ensinou muito sobre educação indígena, cultura, luta, resiliência e fé. O educador era o índio terena Anésio Alfredo Pinto, que partiu vítima da covid-19, e foi um dos autores da coleção Itúkeovo Térenoe, que agora é finalista na 62ª edição do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira.
Anésio foi um dos primeiros professores indígenas de Miranda e uma referência para pesquisadores e professores que o consideravam “um grande sábio”, diz a professora e pesquisadora Denise Silva, que faz parte do Ipedi (Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural), que leva projetos de educação indígena ao Pantanal e atua no fomento e na divulgação da cultura e linguagem indígena.
Apesar da imensa saudade, o que conforta é a realização de um sonho. “Ano passado produzimos um livro com as suas memórias e o lançamento foi cheio de histórias, alegrias e emoção. Que bom que tivemos a oportunidade de vivenciar isso”, diz a professora homenageando a memória do grande amigo. “Ele pode ver em vida o sonho materializado”, celebrou.
Considerado um mestre entre os educadores, Denise lembra de um Anésio forte, alegre e guerreiro. “Foi o homem que me acolheu como filha, que me batizou com o nome da sua mãe, que acreditou no meu trabalho e me ensinou muito do que sei sobre a língua e a cultura Terena”, diz.
Sua despedida repentina e a premiação, para Denise, reforçam a importância de valorização da cultura e língua indígena em risco de extinção. “Quando morre um ancião, morre parte da biblioteca do povo, por isso, é importante ter as fontes de documentação. E esse prêmio, nesse momento, reforça a importante do trabalho que a gente realiza em Mato Grosso do Sul".
A professora destaca que a coleção Itúkeovo Térenoe, com quatro obras escritas por professores, é um material com bastante conhecimento e reconhecimento, não só pela qualidade do conteúdo como pela estética do livro.
Os livros produzidos pelo Ipedi falam sobre os modos de ser e fazer terena, que contempla culinária, arte, memórias e histórias. As obras foram resultado de um projeto de formação continuada dos professores indígenas para inserção do conhecimento tradicional no currículo escolar. Ele foi patrocinado pelo edital de Fundos de Investimentos Culturais da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.
Estamos muitos felizes em sermos finalistas. Anésio deixou um legado e a urgência de fazer esse tipo de documentação enquanto as pessoas estão vivas. É como eu sempre falo, nossa sociedade ocidental tem Google, enciclopédia, internet, filme e material didático. Nas comunidades indígenas todo esse conhecimento está na memória dos mais velhos”.
O Prêmio Jabuti divulgou ontem (22) os 10 finalistas de cada uma das 20 categorias da sua 62ª edição. Este ano, o prêmio continuou com a divisão das categorias em quatro eixos - Literatura, Ensaios, Livro e Inovação - e, com o objetivo de tornar a premiação mais abrangente, criou uma nova categoria, Romance de Entretenimento. Ao todo, o Jabuti recebeu nesta edição, 2.599 inscrições, número 20% maior do que a edição de 2019.
Mais um indicado – Além da obra produzida pelo Ipedi, outra obra do estado é finalista. O escritor Henrique Komatsu entrou na disputa com o livro “OTOTO”, palavra que em japonês significa “irmão mais novo”.
A obra aborda o silêncio que paira na relação entre um pai e um filho, não apenas pela falta de diálogos, mas pelo silêncio das lacunas na memória, o silêncio da vergonha, o silêncio do final.
Confira abaixo as fotos emocionantes da entrega e leitura dos livros às comunidades indígenas de Miranda (MS).
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