Na ponta dos pés, meninas viram bailarinas pela 1ª vez no Lageado e Dom Antônio
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“5,6,7,8”. A sequência anuncia que os passos já vão começar. Pliès e pés esticados tomam conta da sala. Mãos afoitas para fazer igualzinho às posições dos braços da professora. Nos bairros Lageado e Dom Antônio Barbosa, em uma das regiões mais pobres de Campo Grande, meninas têm pela primeira vez o contato com o balé clássico. O collant e a sapatilha ainda não chegaram, mas nem por isso elas deixam de dançar.
O brilho nos olhos é nítido. Moradoras de uma das regiões mais humildes da cidade, onde se falta estrutura e sobra violência, elas passaram a ter contato com as piruetas, de graça, pelo Sesc Lageado.
A realidade de quem convive com índices de criminalidades tão altos é vista ali. Elas chegam e vão embora sozinhas. Poucas têm a companhia dos pais no ir e vir, muitas nem sempre moram com eles. Em contrapartida, desenvolvem uma autonomia não vista em outras escolas de balé. Se pudessem, até a inscrição teriam feito sozinhas.
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Mas a alegria de experimentar o novo dá um ar de esperança. Nos cabelos se vê o carinho e o cuidado que as meninas têm para as aulas. Coques, tiaras, cabelos presos com presilhas. Um colorido que contrasta com o que se vive lá fora.
A sala é cheia, cerca de 30 bailarinas que têm de 7 a 9 anos. Todas moram na região. O projeto de cultura, pelo qual são contempladas, começou a oferecer este ano música, dança e a teatro. Além das aulas gratuitas, é dado também todo material.
Com um sorriso contagiante, a menina Raíssa Rocha Macedo, de 7 anos, imita tudo o que a professora faz. Tímida para entrevistas, ela resume que “gosta do balé”. A mãe é dona de casa, o pai, funcionário da concessionária que administra o lixo na cidade. Em casa, são seis pessoas entre irmãos, pais e avó.
“Com qualquer música ela sai dançando no quintal, na ponta do pé”, comenta o pai, Luiz Macedo, de 55 anos. Ele veio buscá-la por estar de férias. “Ela sempre pedia para fazer, mas ficaria difícil, não é? Teria que procurar academia, aqui não tem e agora que eu consegui comprar uma motinha”, acrescenta.
Para a professora Ana Paula Nogueira Quinhones, de 25 anos, a experiência é nova. “Eu percebo muito nas meninas que, acho que por não terem acesso em casa, elas não muito esforçadas, dedicadas. Elas vêm por prazer. Pode ser até sábado que a turma está sempre cheia”, diz.
As aulas começaram agorinha, mas já devem estar despertando o que o balé traz. “Mais disciplina, postura, elas ficam mais concentradas, porque tem que prestar atenção em tudo”, observa Ana Paula.