Santa Nhanhá nasce em “artéria” do bairro para proteger e dar voz à periferia
É da injustiça enraizada e evidente nos subúrbios que o grafiteiro molda sua inspiração
Em um estúdio anexo a casa onde mora, o artista e tatuador SanderleySabergue Martinez, de 26 anos, mais conhecido como San, aprimora o talento que o acompanha desde pequeno. Entre releituras urbanas, críticas sociais e cenas do cotidiano, o artista dá voz a quem mora na periferia por meio do grafite. Desta vez, o cruzamento da Rua dos Andes com a Rua do Aquário, via movimentada e considerada uma “artéria” do bairro, ganhou a proteção da Santa Nhanhá.
Mais do que cores, o trecho ganhou visibilidade num misto urbano e religioso. A mulher de pele preta e olhos de luz foi pintada com as mãos juntas, como se estivesse em oração. Os brincos em formato de argola levam o nome: Santa Nhanhá.
Para quem vem da Avenida das Bandeiras e entra na Rua do Aquário, o grafite está ao lado direito. Mas nem é preciso muita explicação, afinal de contas é possível ver a obra de longe.
Junto ao grafite, a frase também é curiosa e remete a um cuidado familiar: Vai pela sombra filho... é quente. Pode deixar mãe que vou na sombra do onipotente.
O ponto foi estratégico e escolhido justamente pela visibilidade. Feito há dois meses, a arte durou três dias porque foi feita intercalada com outro serviço, mas normalmente duraria um dia.
“Essa descida é como uma artéria da Vila porque é corredor para outros bairros. É ali o entra e sai de carros e maior fluxo de dependentes químicos. A Santa Nhanhá veio para proteger os irmãozinhos que estão nas ruas”, explica.
Filho de mãe paraguaia, Martinez já morou em vários lugares, mas há sete está na Vila Nhanhá. Pai de uma menina de 6 anos, o artista garante que a arte salvou sua vida. “A arte deu outro sentido a minha vida. Eu não estudei para isso, ela nasceu comigo e me fez viver melhor. Não sei se daria certo fazendo outra coisa”, pontua.
É da injustiça enraizada e evidente, principalmente, nos subúrbios que Martinez molda sua inspiração e a repassa às paredes. Os primeiros desenhos de Martinez já ganharam forma na parede e iniciaram em 2010.
No Estúdio SCW, San tem a companhia constante de “Mega”, uma cadelinha vem ciumenta e protetora. Nas paredes do escritório particular há muito mais reflexões.
Uma delas mostra o “Black Bloc” revestido com a bandeira de Campo Grande. O desenho se trata de um garoto periférico com a boca tapada, ou seja, o típico morador que não ganha voz. “Eu não falo deles, pela arte eu tento representa-los e eles se reconhecem no desenho também”, explica.
Além da obra, uma mulher com traços latinos, brincos que também levam o nome da Vila faz parte do cenário de seu estúdio. Entre as criações, um grafite que representa a filha de 6 anos. O desenho está localizado numa escola do Bairro Parati e foi feito durante um projeto de grafite nas escolas.
San faz qualquer desenho, mas, é claro, que prefere a liberdade de criar. “Quem me conhece me deixa criar, mas quem não conhece prefere a arte ensinada a eles, então, só reproduzo o que eles pedem”, pontua.