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Comportamento

Aida partiu, mas era a avó que subia no telhado sem medo para amar as estrelas

Filha narra experiência do luto ao perder a mãe, mas enfrentar a dor graças ao dom que Aida tinha de tocar o coração das pessoas

Thailla Torres | 24/11/2019 08:00
Cinthia ao lado da mãe, ainda na infância. (Foto: Arquivo Pessoal)
Cinthia ao lado da mãe, ainda na infância. (Foto: Arquivo Pessoal)

No processo de luto, ao se ver sem a mãe que partiu por causa do câncer, Cinthia Moralles, de 38 anos, precisou ser forte. Ainda que os meses passem devagar para quem tem saudade, é nas lembranças de uma mãe alegre e capaz de contagiar a todos que ela tem enfrentado a dor de um jeito mais emotivo. Hoje, ela relata o que ficou de dona Aida Domingos que partiu cheia de histórias, agora, inesquecíveis no coração da filha.

Filha não perde oportunidade de homenagear a mãe.
Filha não perde oportunidade de homenagear a mãe.

Quando a equipe do Lado B entrou em contato convidando-me para essa matéria onde falaria sobre quem foi minha mãe, eu aceitei prontamente, pois uma das promessas que fiz quando ela se foi, é que jamais perderia uma oportunidade de homenageá-la.

Minha mãe partiu em agosto deste ano, em virtude de um câncer de pâncreas.

Durante a vida ela sempre foi acometida por graves problemas de saúde, mas com uma garra e vontade de viver infinitas, sempre superou todos eles. Talvez por isso, acho que um lado irracional dentro de mim, acreditava que ela sempre venceria, que seria imortal.

Ainda estou no processo de luto, e é impossível não sentir que a vida perdeu um pouco do brilho, quando se vai alguém com quem você tinha um elo tão profundo.

Ela sempre foi muito mais que a mãe, era a minha melhor amiga, a confidente, meu porto-seguro.

Ela exalava vida e liberdade, gostava de contar que foi hippie dos anos 70 e nunca perdeu esse espírito. Se começava uma chuva, logo ela estava debaixo d’água de braços abertos cantando: “Tomo um banho de chuva, fico branca como a neve...”. Tinha alma de poeta, publicou diversos livros e eternizou sua cadeira na Academia de Letras, tendo sido enterrada com a roupa que não conseguiu usar na posse, em virtude do estágio avançado da doença.

Certa vez na adolescência, confidenciei a ela que o menino da escola que eu gostava havia me pedido um beijo, mas ele iria embora da cidade e eu estava com receio de me envolver e depois sofrer com a partida.

No mesmo dia, ela apareceu de surpresa na escola, me chamou e disse: Filha, vim aqui pra te dizer que a vida é muito curta, é melhor se arrepender do que se fez do que o que não fez, dá o beijo nele. 

As duas sempre foram melhores amigas.
As duas sempre foram melhores amigas.
E Aida amava mesmo era ser feliz.
E Aida amava mesmo era ser feliz.

E assim ela viveu, sugando da vida até a última gota, colecionou amigos e histórias, viajou pelo mundo, muitas vezes sem planejamento, aceitava o convite e se adaptava a qualquer condição. Ela tinha uma alegria contagiante, amava fazer festas e as decorava com flores que saía colhendo na vizinhança.

Como avó, foi a mais sensacional que as crianças poderiam ter tido, eu lamento tanto eles terem a perdido tão cedo...

Certa vez cheguei e ela estava com meus dois filhos no telhado. Falei: “Mãe, que perigo, o que estão fazendo aí?”. Quando ela prontamente respondeu: “Sobe também filha, viemos ver as estrelas”. E logo estávamos eu, ela e as crianças, apreciando as estrelas.

Ela fazia sucos mágicos (como as crianças definiam), que na verdade era juntar tudo que tinha na geladeira e colocar no liquidificador que magicamente ficavam deliciosos. Levava-os para colher frutinhas, ensinava artesanato e os subornava com doces para fazer massagem nela.

Num dia em que eu chorava lamentando por terem perdido essa avó tão especial , minha filha de 10 anos sabiamente me falou: Mamãe não fique triste, nós tivemos muita sorte de ter tido uma avó tão incrível, eu sempre vou lembrar de um monte de coisas muito legais que fizemos com ela.

Foi muito difícil aceitar que minha mãe que eu tanto amava estava partindo. E devido ao elo muito forte que sempre tivemos, muitas vezes eu vendo o seu estado debilitado pedia pra ela aguentar pois não conseguiria seguir sem ela. E ela se preocupava e me pedia pra ser forte pois o nosso amor é além da vida. Senti que de certa forma eu a estava prendendo neste mundo com meu apego. Então tive a conversa mais difícil da minha vida. Ela já em coma, falei no seu ouvido: Pode ir em paz mãezinha, você cumpriu lindamente sua missão, eu vou dar um jeito de ficar bem porque sei que você estará comigo.

E neste momento ela deu um leve aperto na minha mão e ali soube que era nossa despedida.

Ela se foi nesta mesma madrugada, deixando três filhos, três netos, irmãs, sobrinhos, e uma legião de amigos que encheram seu velório de flores e homenagens.

O maior legado que minha mãe me deixou é que no fim o que fica são o amor e a alegria que você espalha e a maneira que toca o coração das pessoas. E é justamente neste amor sem medidas, que ela generosamente me ofereceu em vida, que encontro forças para seguir. Penso sempre em algo que ela costumava dizer: A morte não existe, alguns apenas chegam antes para preparar o banquete.

Ao contrário do que nos tentam fazer acreditar não se torna mais fácil, a memória não fica mais fraca. Mas a gente aprende a fazer da saudade aliada e das lembranças aquilo que a morte não pode nos roubar. Às vezes, para ser menos doloroso, gosto de pensar naquela frase: “As mães nunca morrem. Elas entardecem, tingem de nuvens os cabelos e viram pôr do sol.”

Cinthia Moralles, gerenciadora de marketing e influencer

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