Alegria de Angelina é saber que ainda tem família após tragédia
Cuidadora nos anos 80, ela cuidou de famílias tradicionais, e após perder vínculo com MS reencontrou sua própria família
A história de Angelina Pereira Barbosa, aposentada de 68 anos, é bastante curiosa. Nos anos 1980, trabalhou como enfermeira particular de recém-nascidos, onde diz que pôde conhecer de perto os filhos da família Trad e da família Maksoud. Antes disso, foi adotada pela família Neder aqui em Campo Grande após uma tragédia pessoal que a separou de sua própria família. Passados quase 70 anos, ela se reconectou com seus irmãos e parentes de Mato Grosso do Sul.
Angelina viveu apenas a infância em Rio Negro, município distante de 116 quilômetros da Capital. No sítio em que morava com seus pais e outros dois irmãos – Nilza e o falecido José Domingos –, a coisa já não andava muito bem.
"Meu pai João bebia demais da conta, era violento. Para ele, dinheiro era a única coisa que valia 'lutar' nesse mundo, a única lei que seguia à risca. Minha mãe Antonia trabalhava como lavadeira de roupas. Às vezes, era melhor que o pagamento do serviço viesse em forma de produtos, alimentos. Quando meu pai descobriu isso ficou louco. Disse que ia matar as filhas porque só davam prejuízo, já que o homem ia ajudar na roça e as mulheres ficavam em casa", relembra.
Na pressa, a matriarca pegou as duas filhas e resolveu escondê-las. Angelina foi a que mais rodou, foi parar de fazenda em fazenda. E jamais esqueceu de um período difícil. "Uma das famílias que ficou comigo pegava o resto da comida dos filhos e me dava. Eu ficava presa num depósito de sacaria de arroz. Até arroz cru já comi. Acabei tendo amarelão crônico, fiquei super mal".
Foi quando Angelina foi parar em Campo Grande para fazer um tratamento de saúde – "caso contrário eu tenho certeza que teria morrido", diz. Ela diz que tinha 8 anos e depois foi adotada pela família Neder.
"Morei até os 18 anos de idade na casa deles, convivendo com todo mundo. Daí em diante comecei a trabalhar como cuidadora de casa, enfermeira particular de recém-nascidos, e procurei minha independência".
Ela diz que muita gente a conhece. Dos Trad aos Maksoud, ela afirma que já viu muita "gente grande" pequenininha. Mas naquela época, nos anos 1980, tudo estava difícil e as contas só aumentavam.
"Acabei que encontrei um bom anúncio no jornal de uma adolescente que precisava de cuidados especiais. A mãe era uma prima de consideração da família Neder. A vaga era para Brasília. Quando me mudei, nunca mais voltei para MS", afirma.
De lá pra cá, Angelina já tem 25 anos de Distrito Federal. A última família que cuidou foi em 2017 até que ela mesma precisou ser finalmente cuidada. Adquiriu durante os anos uma úlcera varicosa que complicou, impedindo ela de andar. Ficou 6 meses no hospital de Sobradinho, cidade-satélite do Distrito Federal.
Ficou desiludida da vida. "Foi a primeira vez que me senti abandonada. Pra onde vou, com quem e como vou sobreviver?", se questionava. Angelina nunca se casou ou teve filhos – sempre cuidou dos outros. "Nunca quis pôr no mundo uma criança para sofrer como eu um dia sofri", confessa.
No hospital, passou Natal, Ano Novo, e achava que a vida não tinha solução, que era seu fim. "Aos poucos, voltei a ver um outro lado da vida. Uma assistente social e uma psicóloga me encaminharam para uma casa de repouso para que eu continuasse o tratamento".
Já faz 3 anos que ela vive no Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes, em Sobradinho. "Aqui não me falta nada, nem amor nem carinho, amizades com os moradores ou cuidado da equipe", garante. Porém, a última peça do quebra-cabeça da vida de Angelina apareceu inesperadamente: o contato de sua família.
"Por eu ser lúcida e falante, costumava dar muitas entrevistas sobre a vida aqui. Acabou que minha família de MS me achou. Isso foi em junho de 2020, bem no meio da pandemia", ressalta.
Conectada no Facebook e de olho no WhatsApp, descobriu os outros irmãos que nem imaginava ter: Maria Carmem, Luiz, Gaudêncio e Márcia – fora a mais velha Nilza. "Eu fiquei surpresa, até porque eram muitos e muitos anos que se passaram. Fiquei feliz, mesmo que fosse uma coisa já resolvida pra mim", admite.
Esperança - Ainda sem o reencontro presencial, o plano é que um dia a família toda visite o lar onde mora e a conheça pessoalmente – até as duas tias de Corguinho, Isaura de 98 anos e Maria de 87. "Mas para isso temos que esperar a covid-19 passar. Infelizmente, me tirar daqui, ir para Campo Grande conhecê-los, eu não vou. Não quero. Tenho medo de perder minha vaga aqui, lugar que quero ficar até meu último dia. Fora que meus problemas de saúde, o fato de eu depender da cadeira de rodas, é um grande dificultador. Então, por enquanto o encontro está em hiato", lamenta.
"Quem sabe 2021 a coisa melhore. Por mais que eu veja que na minha vida a família foi sempre as que eu 'criei' pra mim, espero com gratidão o momento desse reencontro com as pessoas de sangue, do meu lado sul-mato-grossense", finaliza.
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