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Comportamento

Anônimas ou 'famosa', 4 mães escrevem livro para filhos que morreram cedo demais

Paula Maciulevicius | 20/02/2014 06:24
Elizabeth, Helena, Alda e Eliana. Mães e autoras do livro que detalha a dor que é enterrar os filhos. (Foto: Cleber Gellio)
Elizabeth, Helena, Alda e Eliana. Mães e autoras do livro que detalha a dor que é enterrar os filhos. (Foto: Cleber Gellio)

Murilo, Fabiana, Alessandro e Eduardo. Filhos que foram embora cedo demais. Murilo tinha 21 anos, Fabiana 25, Alessandro 31 e Eduardo 21. As histórias deles foram contadas pelas mães no livro “Meu filho partiu! Eu fiquei... E agora?”, escrito a oito mãos, pelas mesmas que criaram os quatro jovens. A obra tem um só objetivo: o desabafo delas precisa chegar às outras mães. A dor é singular, mas não é única. Ninguém está sozinho nessa.

É um sentimento para o qual não existe um nome, uma descrição, mas elas tentam. “Se tivessem falado que um dia eu ia perder o Alessandro eu ia dizer você está maluco, bêbado...” A frase é de Eliana Regasso, 61 anos, coordenadora geral do cerimonial da Câmara Municipal de Campo Grande, mãe do médico Alessandro, morto aos 31 anos em um acidente de carro, em uma estrada vicinal a 200m do asfalto, em 2006.

"Fabiana operou numa quinta, voltou ao centro cirúrgico num sábado e de lá foram 28 dias no CTI", conta a mãe Alda.
"Fabiana operou numa quinta, voltou ao centro cirúrgico num sábado e de lá foram 28 dias no CTI", conta a mãe Alda.

“Foi muito sofrimento. A primeira vez que Fabiana entrava no hospital. Saudável a vida toda. Foi a primeira e a última”, remexe no passado, Alda Glagau Ferreira, de 63 anos, mãe de Fabiana, que morreu 28 dias depois de se submeter a uma cirurgia de redução de estômago em 2005.

“É muito complicado, porque a gente não é preparado para enterrar um filho antes de um pai. Sempre os mais velhos vão primeiro. Pensar numa vida cheia de planos, de sonhos. Racionalmente a gente não entende”, descreve Elizabeth Boarin, mãe do jovem Murilo Boarin Alcalde, assassinado em um motel em 2005.

“Quando o telefone toca assim, fora de hora, eu sempre voava para atender. Mas daquela vez não. Meu marido desceu, atendeu e achou que era trote. Xingou tudo a pessoa. Quando eu voltei, ele estava encostado na parede e disse o Eduardo sofreu um acidente e morreu. Eu falava quer ver que é mentira? Ligamos no celular dele e nada”. A descrição é de Helena Castro, de 56 anos, mãe de Eduardo, que morreu em junho de 2006 num acidente ao voltar da chácara do aniversário de um amigo, a 7 quilômetros de Rio Brilhante.

"Alessandro era médico, foi para a fazenda. Ele estava de plantão meio-dia. Vinha voltando e a caminhonete tombou, numa estrada vicinal, 200m antes do asfalto", descreve a mãe Eliana.
"Alessandro era médico, foi para a fazenda. Ele estava de plantão meio-dia. Vinha voltando e a caminhonete tombou, numa estrada vicinal, 200m antes do asfalto", descreve a mãe Eliana.
"Eduardo tinha 21 anos, estava voltando de uma chácara. Era uma estrada reta e ele faleceu", relata a mãe Helena.
"Eduardo tinha 21 anos, estava voltando de uma chácara. Era uma estrada reta e ele faleceu", relata a mãe Helena.

As quatro são mães unidas pela saudade. Se conheceram em um centro espírita e em dezembro de 2013 aceitaram o desafio de revirar todo o passado, reviver o luto e descrever o tsunami que viveram em páginas de um livro.

Eliana foi quem teve a ideia. Desde que Alessandro morreu ela nunca mais deixou de ir a um velório. Não fala nada, chega, abraça e observa mães que sofrem o desespero de chorar no caixão dos filhos.

No último enterro acompanhado, se colocou no lugar daquela mãe. Enquanto se falavam palavras, em vão, de consolo, ela sabia porque sentiu também, que nada daquilo adiantaria.

“Você não aceita nada. Aquilo é duro, é dolorido, é triste, vai doer. Eu sentia que tudo o que se falava, desesperava ela mais ainda. Acabou o enterro, eu entrei no carro e veio um insight. Vou escrever um livro para falar para outras mães que elas não estão sozinhas na dor”, conta.

As mães fazem questão de frisar que não é receita, não é religião. “A gente quer falar da dor que a gente passou”, explica Alda.

De dezembro até a última sexta-feira, a sala de encontro das mães, um anexo da casa de Eliana, na rua Rui Barbosa, viu lágrimas, ouviu soluços e compartilhou histórias, detalhes.

“Nunca tinham me perguntado aqui como aconteceu, como foi o seu dia, a sua dor”, comenta Alda. Remexer num passado, dolorido, mostra que as quatro conseguem em alguns momentos migrar da dor para a saudade. Contando, escrevendo, pensando, volta tudo.

O livro é dividido em capítulos. A primeira parte é a notícia. A pior que cada uma das mães recebeu. Narrado em primeira pessoa, ali estão os registros passados para o papel do desespero de saber os filhos nunca mais voltariam.

Escrito pelas quatro mães, a obra tem um só objetivo: o desabafo delas precisa chegar às outras mães.
Escrito pelas quatro mães, a obra tem um só objetivo: o desabafo delas precisa chegar às outras mães.
Murilo, filho tirado de Elizabeth aos 21 anos. Protagonista da tragédia "Caso Motel".
Murilo, filho tirado de Elizabeth aos 21 anos. Protagonista da tragédia "Caso Motel".

Murilo - “Essa é a minha primeira e última entrevista”. Elizabeth chorou com os olhos, com a alma, com o coração. “Você nunca me viu dando entrevista, erguendo bandeira de paz. Eu só pensei, eu tenho uma filha e um neto, quem fez isso... não vai trazer o Murilo de volta. Eu não tenho rancor, eu não quero justiça e nem vingança. A justiça não vai ser através de mim, das pessoas, vai ser através de Deus”.

Beth, como é chamada pelas amigas, respira fundo. Eliana acalma e diz que se não quiser, ela não precisa falar. A mãe toma fôlego e sem parar inicia. “O Murilo saiu para ver nota na faculdade em junho e não voltou mais. Na madrugada eu liguei para ele, ele sempre me ligava, retornava. Ele não ligou. De manhã eu percebi que ele não tinha dormido em casa, acionei todo mundo e ninguém sabia dele. Às 5h da tarde acharam o corpo dele dentro de um motel. Tinha 21 anos. Ia fazer 22 em agosto."

O filho foi protagonista de um dos episódios policiais de maior repercussão em Mato Grosso do Sul, o "Caso Motel". Apesar da imprensa inteira buscar o depoimento de Beth, ela preferiu ficar calada, inclusive, durante as investigações, que nunca revelaram os reais motivos do assassinato do filho e da jovem garota de programa que o acompanhava naquela noite.

"Os sentimentos? Eu tenho uma amiga que faz mapa astral e ela me fala que eu vim nessa vida para trabalhar o desapego. Mas tinha que ser tão fodido? Eu não fiquei amarga, se não, nem eu ia me aguentar, muito menos os outros. Estou aqui, ainda tenho coisas a fazer. Nada como o tempo, ele ameniza, mas a saudade, a dor, só aumenta. Data de nascimento, falecimento, pode passar o tempo que passar, quando reúne a família está aquele buraco. Racionalmente, é 10. Mas na hora da dor, é uma merda”.

Não tive coragem de editar a fala. De cortar o sentimento de Elizabeth. De uma mãe que, diferente das demais, teve parte da própria vida levada, de forma tão violenta naquele quarto de motel. No caso dela a morte do filho teve culpados que nunca carregaram o peso que ela leva nos ombros todos os dias.

“Eu não deixei nem abrir o caixão. Eu quis guardar a imagem dele vivo e foi o que eu guardei. Para mim ele está viajando e demorando muito. Safado às vezes dá notícia, às vezes não”.

A publicação será custeada por elas, que vão distribuir os exemplares gratuitamente.
A publicação será custeada por elas, que vão distribuir os exemplares gratuitamente.

Nos primeiros capítulos está a dor, depois as experiências das quatro, do que fazer diariamente diante da perda. O texto fluiu. Nenhuma delas nunca havia escrito nada parecido. Tiveram, claro a inspiração do sorriso dos filhos, do abraço, do beijo e dos elogios às comidas.

Cada parte da experiência vem acompanhada das explicações da doutrina espírita. “Sabe que eu estou surpresa? Nem eu acreditava que era capaz”, resume Eliana. “Tudo passa, como diz Chico”, falam numa só voz, quatro mães que perderam os filhos cedo demais.

O livro está previsto para ser lançado em maio. A publicação será paga pelas mães que vão distribuir os exemplares gratuitamente. São mulheres que continuam de pé por amarem demais os filhos. “É por eles que a gente segue fazendo o melhor possível na nossa vida. Porque se a gente vacilar aqui, eles também vão vacilar no plano espiritual”, explica Eliana.

“Nós procuramos olhar para trás, isso que nos move a caminhar e ajudar que está à frente”, resume Helena. “O amor de mãe não tem separação”, finaliza Alda.

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