“Apesar da ingratidão”, Luiz se orgulha de vida dedicada à música
Autor do hino do Operário, Luiz é um personagem que fez parte da história da juventude campo-grandense nos anos 70 e 80
Na Vila Palmira, em Campo Grande, bairro de muitos militares aposentados, numa casinha amarela com um consultório odontológico na frente, remanesce um personagem que fez parte da história da juventude campo-grandense nos anos 70 e começo dos anos 80.
Sentado numa poltrona no fundo dessa mesma casa, um espaço relativamente exótico, com telas pintadas em óleo e plantas, Luiz Carlos Amarilha, no alto de seus 72 anos, lembra com empolgação sua trajetória de músico, mais especificamente de vocalista da lendária banda Zutrik, sucesso do Clube Surian, espaço igualmente histórico da Capital nas décadas passadas. Luiz também é autor do hino do Operário, bem como lançou um LP numa das maiores gravadoras do Brasil na década de 70.
Filho de mãe paraguaia, Luiz tem 4 irmãos, nenhum do mesmo pai e nenhum músico igual ele. Nascido em Ponta Porã, veio para Campo Grande criança na metade final dos anos 70.
Logo nessa época, Luiz começou a buscar sozinho, mesmo novo, um espaço nas rádios de Campo Grande. Como único instrumento, sua voz, Luiz reproduz sentado em nossa frente um pouco dos boleros e outras canções que cantava nas rádios.
“Eu comecei a ficar conhecido nas rádios de Campo Grande e quando vi já era famoso na cidade inteira. Todo final de semana tocava em algum lugar”, explica Luiz.
Paralelamente à carreira de músico, ao que ele se refere como “uma vida boemia”, Luiz era protético, ofício que aprendeu na adolescência e que sempre levou como uma profissão fixa. Logo na sequência de seu início como cantor solo, Luiz foi convidado para participar do conjunto Mini Boys, um grupo de jovens que tocavam rock da Jovem Guarda.
Amaralilha explica que esse mesmo grupo, depois de poucos anos, virou a lendária banda Zutrik. “A gente só mudou de nome, mas era a mesma formação”.
A empolgação de Luiz ao contar sua vida só é atrapalhada quando questionamos datas. Pra isso ele sempre recorre à esposa, Laudicéia Amarilha, com quem é casado há mais de 40 anos e tem três filhos. As telas no fundo da casa são dela, assim como o consultório na frente, já que ela é dentista.
A partir da formação da Zutrik, Amarilha entrava no auge de sua carreira como músico. “A gente tocava todo final de semana no Surian. Na noite que tocávamos era a mais lotada”.
O talento vocal junto da fama adquirida na região, fez Luiz ter a maior chance de sua vida na música, seguida da maior frustração.
É aí que entra o personagem de um dos maiores produtores musicais no Brasil na época: Zacarias Mourão. Zacarias havia lançado um escritório em Campo Grande e prometeu a Luiz que produziria um LP só dele numa das grandes gravadoras brasileiras também da época, a Fermata.
“Ele me passou um lista de músicas inéditas para que eu ensaiasse aqui em Campo Grande enquanto eu não era chamado pra ir a São Paulo. Só que de repente ele sumiu e não deu mais notícia. Eu não encontrava ele em lugar nenhum, achei que tinha desistido do trabalho".
Um belo dia, passados meses, Zacarias liga e o convoca para ir a São Paulo gravar seu tão sonhado disco solo. “Eu não tinha noção do tamanho daquilo. Tinha uma orquestra só pra mim”, lembra ainda incrédulo Luiz.
Depois de gravado, começou outra saga na vida do cantor: o lançamento. Isso porque houve outro hiato no contato de Zacarias, que não dizia quando e em quais circunstâncias o disco seria lançado.
“Eu comecei a ficar preocupado, porque mais uma vez não sabia como e quando as coisas aconteceriam. Cheguei até a me mudar para Santo André, no interior de SP, porque de lá poderia ir até à Capital “investigar” quando meu disco sairia”.
Um dia Luiz foi chamado à Fermate e em reunião com o dono da gravadora viu seu disco já pronto. “Ele fumava um charuto, pegou algo debaixo da mesa e jogou meu disco sobre ela dizendo 'tá aqui seu LP'".
"Tenho Mil Noivas", esse era o nome do disco, que tinha uma canção com mesmo título como carro-chefe. Uma pausa na conversa, Luiz respira, olha pra cima, e solta: “uma semana depois desse dia a gravadora faliu”. Lembra ele, complementando que a Fermate foi vendida para o que é hoje a gravadora Som Livre.
Luiz teve a maior alegria e a maior decepção de sua carreira musical na mesma semana. “Eu ainda tentei saber se meu disco seria lançado, mas precisava ter dinheiro pra isso. Então eu só consegui comprar algumas caixas e vender por conta”. Hoje, só um disco permanece com Luiz, que nem tem onde tocar.
O retorno a Campo Grande foi acompanhado do retorno a Zutrik, onde ficou até os anos 80. “Eu parei de cantar na Zutrik com 37 anos, resolvi sair do mundo e ir pra igreja”, conta. Luiz diz que se converteu e parou de cantar na noite, bem como músicas que não eram religiosas.
Hino de Operário – Luiz é autor do hino do Operário. Ele criou o hino no auge do clube, nos anos 70. Até hoje é reconhecido pela torcida e frequenta os jogos. “Eu criei uma música em homenagem ao Operário, que depois foi aceita como hino. É um dos meus maiores orgulhos no mundo da música", revela.
"Retorno" – Há cerca de um ano Luiz ensaiou uma volta às músicas que cantava na época da Zutrik. Entrou em contato com velhos amigos, tocou algumas músicas no fundo de casa mesmo, mas durou pouco tempo.
“Eu tive uma mudança na minha concepção religiosa e achei que poderia voltar, mas logo em seguida voltei pra Bíblia e agora é definitivo, não canto mais”, explica com sorriso de quem teve a vida dedicada à música e talvez dela não tire mais nada.
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