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Comportamento

Após 13 anos, filha que trouxe vida à família terá sobrenome da mãe

Mãe que criou filha desde os 5 meses de vida agora está fazendo uma rifa para custear processo de adoção formal

Paula Maciulevicius Brasil | 07/07/2020 06:23
Unidas pelo abraço e pela história de vida. Mãe escolheu e também foi escolhida por filha ainda bebê. (Foto: Kelvin Felipe)
Unidas pelo abraço e pela história de vida. Mãe escolheu e também foi escolhida por filha ainda bebê. (Foto: Kelvin Felipe)

"Por mim, lembro de morar com a minha desde que eu nasci, mas moro com ela desde os meus cinco meses". 

A voz doce e as palavras que a adolescente de 13 anos escolhe para descrever a mãe que a criou são de emocionar pela simplicidade e resumem o quanto os laços se formam independentemente de sangue ou documento.

A menina que já sabia desde a infância que havia sido adotada explica que lembra de morar com a mãe desde que nasceu, embora a história das duas tenha começado a partir dos cinco meses de vida dela.

Nem a adolescente nem a mãe serão identificadas, a pedido da família que está para ingressar com o pedido de adoção formal na Justiça, e, para isso está fazendo uma rifa.

De origem simples e um coração enorme, a mãe da adolescente tem hoje 46 anos, e quatro filhos. A última a chegar é também a caçula da casa, e quem a tirou do "fundo do poço".

"Ela foi um presente de Deus nas nossas vidas, porque fazia pouco tempo que eu tinha perdido meu filho com quase 15 anos. Eu não gosto muito de comentar, de falar que ele foi assassinado, porque as pessoas sempre acham que ele morreu por estar envolvido com alguma coisa". A justificativa é narrada sob um tom de culpa, de quem já tanto ouviu que o filho morreu por estar "fazendo a coisa errada".

De mãos dadas, elas esperam conseguir entrar com pedido de adoção formal na Justiça. Ao fundo, gatinho que se recusou a dar espaço para as fotos. (Foto: Kelvin Felipe)
De mãos dadas, elas esperam conseguir entrar com pedido de adoção formal na Justiça. Ao fundo, gatinho que se recusou a dar espaço para as fotos. (Foto: Kelvin Felipe)

Ao Lado B, esta senhora que trabalhou durante a vida toda como empregada doméstica relata que à época perdeu a vontade de viver, e chegou a quase se entregar à bebida. "Para tentar aliviar um pouco, mas na verdade, não alivia nada", se repreende.

Logo depois que perdeu o filho, uma nova família se mudou para a mesma rua da casa dela, era a mãe da bebezinha. "Ela deixava a menina comigo sempre, um dia saiu e ficou três dias fora deixando a neném comigo que ainda mamava no peito. Eu fiquei desesperada", recorda.

Ela chegou a ir até a casa da avó da criança, mas deu com a cara na porta. "Ela me disse 'se vira, ela deixou com você, e eu não quero mais criança não'. A mãe tinha um histórico com droga e na época já tinha cinco filhos que moravam com os avós", conta.

Quando a vizinha reapareceu, a empregada doméstica fez a seguinte proposta. "Já que ela está ficando aqui, eu gosto e peguei amor por ela, e você não vai ter condições, não quer dar ela para mim? E ela me respondeu que ia para casa pensar e já voltava".

A mãe biológica voltou em seguida e disse que daria sim. "Na época a patroa para quem eu trabalhava era advogada, eu consultei e ela me disse que a guarda eu não conseguiria pega, mas ela faria um termo de guarda para eu registrar em cartório", conta.

Juntas, a mãe adotiva e a biológica foram até o cartório. "Só que ela não tinha CPF, e na época demorava porque vinha pelo correio. Ela me disse que não ia esperar, que era para eu pegar o bebê que ela ia sumir".

E assim aconteceu. Do cartório, a mãe voltou para casa com um bebê nos braços que só tinha a roupinha do corpo. "Eu tinha um dinheiro para pagar uma conta e gastei tudo em mamadeira, fralda e roupinha", lembra. O primeiro vestidinho da criança está guardado até hoje.

O capítulo seguinte já foi de luta. A criança chegou sem que a mãe tivesse organizado uma licença, e sem ter com quem deixar a bebê, a levava para o trabalho de bicicleta. "Eu colocava ela no canguru e levava. Lá na minha patroa, o meu patrão trabalhava em casa, no escritório e acabou que ele cuidava dela para eu fazer o serviço", recorda.

As lembranças são narradas com muito carinho e mostram o amor desde os detalhes. "Até comprei cadeirinha para a bicicleta. Eu colocava ela e ia", completa. Dois meses depois, a mãe da empregada veio para Campo Grande cuidar da mais nova neta. A tranquilidade veio para a mãe em partes, que ainda temia que a família biológica pudesse voltar atrás.

Juntas, mãe e filha passaram por medo e também muitas alegrias ao longo de 13 anos. (Foto: Kelvin Felipe)
Juntas, mãe e filha passaram por medo e também muitas alegrias ao longo de 13 anos. (Foto: Kelvin Felipe)

"Sempre me falavam que não ia durar. E durou. Já se foram 13 anos..."

Ninguém nunca procurou a criança e a mãe adotiva se preparava para contar a história quando a filha tivesse 10 anos, que para ela representaria mais maturidade para lidar com a situação.

"Tentei esconder ao máximo dela, mas ela sabia da verdadeira história e guardou para ela... Por ter sobrenome diferente e também não ter meu nome no registro, ela começou a juntar isso", acredita a mãe.

Quando finalmente sentou para conversar, a filha já até sabia o assunto. "Ela me disse: 'eu já sei desde os meus seis anos de idade, só que eu nunca quis falar para deixar a senhora contar e te falar que eu jamais vou querer outra pessoa como mãe'. E eu fiquei impressionada", conta emocionada.

A mãe que sempre desejou ter a adoção formalizada no papel se lembra quando o Conselho Tutelar bateu à porta. A mãe biológica da menina está presa e havia feito um pedido de prisão domiciliar. Ao juiz, ela havia falado o número de filhos que tinha e o paradeiro.

"O juiz queria saber da menina, chegaram até mim e eu fiquei louca, achando que iam levar ela". No Conselho Tutelar, a mãe conta que recebeu a orientação de procurar a Justiça o quanto antes.

"Não vou te falar que eu não estou com medo, eu tenho muito medo ainda. Mas olha, eu acho que tenho tudo a meu favor, a escola, os vizinhos que acompanharam a minha vida. Ela é minha filha, sabe? Eu que criei, que me dediquei, eu que amo ela. Aqui em casa, a gente nem se lembra que ela foi gerada em outra barriga. Eu digo sempre que ela foi gerada no meu coração e ela é muito amada por toda a família, por todo mundo", frisa.

Os familiares e amigos estão fazendo uma rifa para custear um advogado. "Eu não tenho condições, trabalho de doméstica e aos finais de semana sou babá. Minha renda não é boa", justifica.

Para adolescente, "nada vai mudar" quando documento trouxer, enfim, o sobrenome da mãe, porque o amor das duas é maior que qualquer registro. (Foto: Kelvin Felipe)
Para adolescente, "nada vai mudar" quando documento trouxer, enfim, o sobrenome da mãe, porque o amor das duas é maior que qualquer registro. (Foto: Kelvin Felipe)

A história de mãe e filha está caminhando para um capítulo "final". Embora haja muito nervosismo das protagonistas desta trama. "Vai demorar ainda em torno de quatro meses, e a gente ainda está no meio de uma pandemia. Mas eu estou feliz, porque finalmente ela teve coragem de fazer isso", descreve a filha.

A adolescente ressalta que para ela, nada vai mudar. "Para mim, não vai mudar nada, mas para as pessoas que me conhecem vai, porque eu vou mudar meu sobrenome. Ela é minha desde que eu me lembro, então não me importa nome, nem nada, porque sempre vai ser a mesma coisa", reflete.

Segundo a Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado em se tratando de uma família com poucos recursos, é aconselhável procurar a Defensoria Pública para um atendimento especializado com profissionais que tenham familiaridade com o tema.

Ainda conforme o Tribunal, a família deve ingressar com uma ação de adoção para regularizar a situação. A coordenadoria ressalta que o ideal é que essas questões sejam resolvidas logo de início, mas já estando consolidado, o tempo de permanência da criança, hoje adolescente, com a mãe adotiva supera qualquer outro entrave legal.

Quem quiser contribuir para a rifa pode mandar um WhatsApp para o celular: 9-9960-9762. Cada número está sendo vendido por R$ 10,00.

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