Após 52 visitas ao Pantanal, tragédia não sai da cabeça de Lawrence
“Sempre foquei em mostrar o lado bonito do Pantanal, mas agora com esse filme, é o outro lado”
No Dia do Pantanal, hoje, 12 de novembro, o Lado B conversa com uma das pessoas que mais tem cenas surpreendentes da natureza na memória. O documentarista Lawrence Wahba, de 52 anos, está em Campo Grande para o lançamento do seu novo filme, que estreia hoje na Globoplay e mostra imagens chocantes de um ambiente arrasado pelo fogo.
Na conversa, o cineasta que tem uma relação íntima com o bioma desde 1987, narrou ao Voz da Experiência tudo o que mais tocou seu coração após 52 visitas à região, que abrange Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Além disso, revelou como o novo trabalho é um divisor de águas na carreira.
“Na primeira vez ao Pantanal, eu era estudante do terceiro ano do colegial, tinha um professor de geografia que colaborava com a Embrapa, ele participava de uma pesquisa, reuniu a turma e fomos de ônibus para o Pantanal de Miranda e Bonito, isso em 1987.
Essa primeira experiência foi marcante, lembro que na época, precisava escolher carreira e já tinha interesse em fazer cinema. Quando vi o Pantanal pela primeira vez, falei que queria uma carreira onde pudesse estar em lugares iguais, então, foi um dos locais que marcaram a minha vida.
Outro dia achei as fotos da viagem, mesmo depois de tantos anos, lembro de muitas coisas daquele roteiro. Fiquei muitas vezes em bases da Polícia Ambiental e eles chamam 1987, como o ano da guerra, porque foi o ano que decidiram acabar com o tráfico ilegal do couro de jacaré.
A única coisa daquela época que me marcou muito, é que eu olhava o Pantanal e não via jacaré, mas quando chegava atrás da base da polícia, via centenas de jacarés. Hoje, tantos anos depois, nós vemos o animal em toda parte.
Tive um grande mestre que foi o Haroldo Palo Júnior, o maior documentarista de natureza do Brasil, ele sempre falava que no Pantanal, dois dias nunca eram iguais. Eu achava que ele exagerava um pouco, mas hoje, entendo que ele tinha razão. É curioso, porque o Pantanal é infinito e quanto mais você aprende, mais você vê que tem que aprender. A diferença está nos pequenos detalhes, quanto mais você vai, mais fica atento para esses detalhes.
Primeiro contato com os focos de incêndio
Eu estava filmando para uma TV da Inglaterra, procurando lugares para fazer um filme sobre os ciclo das águas e estava na região próxima a Serra do Amolar. Nós pegamos um barco, navegamos dois dias para um lugar completamente remoto, quando chegou uma mensagem no radinho. Tinham declarado a pandemia, que precisávamos ser evacuados do Pantanal de qualquer jeito e tinha o rumor que iriam fechar as dívidas do estado para declarar o lockdown.
Quando o avião chegou para nos buscar, era março, mês de cheia da chuva. O avião subiu, vimos dezenas de focos de incêndio e não acreditei que fosse possível estar pegando fogo no Pantanal em plena estação chuvosa. Durante a quarentena, comecei a receber mensagens dos meus amigos, falando que o fogo não parava de crescer e, em julho, percebemos que os incêndios eram recorde.
Junto com o coronel Rabelo, do Instituto do Homem Pantaneiro, criamos um projeto para ter brigadas comunitárias no Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Fizemos uma campanha de financiamento coletivo, empregamos ribeirinhos que foram treinados, equipados para atuarem no combate aos incêndios.
Processo de gravação de “Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas”
O filme nasceu primeiro dessa ação social para criar as brigadas, fui para o Pantanal de novo para documentar esse trabalho e percebi que o que estava acontecendo no Pantanal não tinha precedentes. O fogo estava em uma proporção absurda, decidi fazer o documentário e comecei a filmar.
Eu trabalhei com uma equipe muito qualificada que é a Tatiana Lohmann, Marco Del Fiol e o maestro Fábio Cardia. Nós contamos essa história, o filme é narrado em primeira pessoa, mas com uma visão mais artística. Então, ele é um documentário, mas tem uma visão pessoal, porque é uma transformação no Pantanal e em mim mesmo.
Durante a minha carreira sempre foquei em mostrar o lado bonito do Pantanal, mas agora, com esse filme, é o outro lado. Teve um momento na reserva de Acurizal, no fim dos incêndios, fomos fazer uma pauta sobre a regeneração do Pantanal. Entramos na mata, achamos um esquilo morto queimado, depois encontrei um veado e uma serpente mortos, mas quando percebemos estavam em um filme de terror.
Deviam ter dezenas de animais mortos, todos carbonizados e no meio da gravação, toda a equipe começou a chorar. É uma das sequências mais tristes do documentário, principalmente, porque tinha um macaco que parecia uma criança em posição fetal.
Nós brasileiros nos distanciamos da natureza, o filme pretende aproximar o espectador, porque ele precisa ver e sentir a destruição para impedir que continue. O filme tem o nome indígena para que aprendamos com os povos originários o respeito à natureza".
Sobre o cineasta - Lawrence Wahba, 52 anos, é documentarista de natureza, apresentador de TV, fotógrafo, mergulhador e autor. Vencedor do Emmy, seus documentários filmados em todos os continentes e todos os oceanos foram exibidos em 160 países, em canais como NatGeo, Smithsonian, Discovery e Arte, entre outros.
Para TV brasileira, já produziu mais de 600 matérias, apresentou programas no GNT, NatGeo e Discovery, além do quadro “Domingão Aventura”, no então programa liderado por Faustão na Rede Globo. Em 2017, lançou seu primeiro longa-metragem documental nos cinemas “Todas as Manhãs do Mundo”.
O documentário “Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas” está disponível na Globo Play com faixa indicativa para maiores de 12 anos.
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