Através da dança, Ingra transformou distâncias em arte para a cidade
Ingra morreu na tarde de quarta-feira (2); ela foi uma grande comparsa da classe artística na luta pelos espaços públicos
Para a produtora cultural e dançarina Ingra Padilha, qualquer pessoa, independente da sua nacionalidade, poderia se relacionar. Livre de preconceitos, ela acreditava no potencial das fronteiras e fez da Bolívia para o campo-grandense um lugar familiar e aconchegante por meio da dança.
Depois de trazer o sorriso que quebrou correntes e integrou a cidade na Praça da Bolívia, Ingra partiu na tarde desta quarta-feira (2), aos 37 anos, em consequência de uma hidrocefalia e uma pneumonia. Há quase dois anos ela lutava contra o câncer.
“Ela trouxe a fronteira para a praça e a cultura da Bolívia para Campo Grande. Estabeleceu essa relação através de uma ação prática, mostrando que nossas fronteiras muitas vezes são imaginárias, e a arte e a cultura andam livremente”, conta o ator e diretor do Teatro Imaginário Maracangalha, Fernando Cruz, 56 anos.
Natural de Campo Grande e descendente de bolivianos, fazia parte do grupo de dança T’ikay, de apresentações típicas do país vizinho. Há mais de 10 anos atuava na direção da feira realizada uma vez por mês, no Bairro Santa Fé. De forma organizada e respeitosa com a diversidade de artistas e artesão da cidade, Ingra fortaleceu a ocupação com arte, dança, teatro, gastronomia, performance e valorização do meio ambiente.
Ingra também foi uma grande comparsa dos artistas na luta pelos espaços públicos. Acreditava que a rua era local de integração, que não tem fronteira, e a arte e a cultura podem viabilizar esse encontro de forma livre e saudável. Mais do que isso, acreditava que a arte é capaz de transformar a vida de uma cidade.
A artista plástica Miska Thomé, 61 anos, que iniciou os eventos na Praça da Bolívia e anos mais tarde deixou a direção nas mãos de Ingra, viu de perto o crescimento e o amor dela pela união das fronteiras. “Eu pude ver o crescimento da Ingra. Ainda jovem ela se mostrou uma produtora, que assumia o palco, conversava com as autoridades e as pessoas, estava sempre pronta para ajudar e resolver os problemas com carinho e zelo pelos artistas e artesãos".
Viúva de boliviano, Miska sempre admirou a cultura e esteve presente no desejo de ver essa união, por isso, agradece Ingra. “Eu sentia que os bolivianos não estavam tão envolvidos, e fiquei muito feliz de ver como a colônia boliviana foi representada por eles mesmos. Através dessa direção da praça vimos a Bolívia aparecendo e Capital a reconhecendo”, completa.
Integrante do grupo de dança e irmã de coração, a boliviana Mônica do Nascimento fala da identificação com Ingra. “Convivemos muito, viajamos para o interior levando nossa cultura, ensaio, palestras e, através da dança, conseguimos falar arte, da culinária e das tradições da Bolívia”.
Sem encontrar os vestuários coloridos pela cidade, Mônica lembra dos momentos juntas na costura. “Trabalhávamos intensamente fazendo roupas e eram momentos muito gostosos. Nossa convivência era praticamente diária e ela vai fazer muita falta”, desabafa.
Para Romilda Pizani, 43 anos, fica o legado de continuar as ações na Praça da Bolívia e trazer fortemente a integração entre brasileiros, bolivianos e paraguaios. “O que mais me marcou da Ingra foi a persistência, ver aquele rosto bonito, forte, que durante esses últimos 10 anos trabalhou para que essa feira estivesse na vida do campo-grandense. Em especial, nos últimos tempos, ela demonstrou coragem. Mesmo sofrendo com câncer, ela não desistiu, ela ficou e nos ensinou muito”.
Declaração semelhante foi dada pela amiga Caroline Garcia. “Ingra era uma jovem, ativista e empenhada em realizar a feira na praça justamente para valorizar a cultura boliviana, para demonstrar que Mato Grosso do Sul tem influência, é um estado irmão, e lembrar que somos fronteiriços. E isso é muito bonito”.
Como para Ingra fazer arte era dar um sentido à vida e uma forma de resgate humano, amigos e artistas realizarão a live especial que estava prevista para arrecadar fundos para o seu tratamento. “Agora, vamos apresentar o festival em sua homenagem. Ela deixa o legado que não vai se apagar que é a festividade enorme que ela organizava, a mensagem de uma pessoa guerreira, batalhadora, que sempre segue em frente”, finalizou a diretora do Cordão Valu, Silvana Valu.
O Festival Flor dos Andes será realizado nesta quinta e sexta-feira, com lives – apresentações artísticas ao vivo por meio do YouTube do FESC (Fórum Estadual de Cultura), com a participação de diversos artistas. A programação inicia a partir das 17 horas.
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