Camisetaria usa histórias de gente da comunidade Tia Eva para dar bons exemplos
Em um momento em que atos de violência chamam mais a atenção do que o bem, projeto Faces da Comunidade busca resgatar o respeito.
De fora, quem lembra da comunidade Tia Eva pensa na história da resistência negra. Mas quem vive no lugar sente na pele outro tipo de imagem criada em Campo Grande. “Com a violência exacerbada a parte ruim acaba ficando mais em evidência", diz Jonas da Silva Vilela, de 26 anos, lembrando que muitos taxaram os jovens da comunidade de "desordeiros".
Por isso, ele resolveu dar voz aos bons exemplos e convidar moradores para o projeto Faces da Comunidade. "Estamos tentando mostrar o negro e a comunidade sobre um olhar diferente, um olhar que transcende as páginas policiais e realça seu valor na sociedade, seus sonhos e metas para o futuro”, conta Jonas.
Jonas tem uma camiseteria inspirada na identidade local. A ideia surgiu como forma de “impactar positivamente” a realidade. Ele não quer ser apenas mais uma marca. O importante sempre foi transmitir a mensagem de irmandade, fraternidade, respeito e amor, que para ele são os pilares da comunidade Tia Eva.
Com poucos recursos, ele conta que tudo foi feito na base da amizade. A maioria das pessoas no bairro ou é parente ou se conhece há muito tempo, e quando alguém pede ajuda, estão sempre dispostos a colaborar. O principal para Jonas é que ninguém ali tem vergonha de ser descendente da Tia Eva, de dizer que são negros e que fazem parte do bairro.
Os primeiros convidados para fotos com as camisetas são amigos e pessoas que ele admira já há algum tempo, como o auxiliar de limpeza João Paulo, a professora Márcia Mega,e Vânia Lúcia Baptista, líder do GMUNE (Grupo Mulheres Negras Em Ação da Comunidade Tia Eva).
Entre os escolhidos, o auxiliar de limpeza João Paulo é o idealizador do projeto Jovens Promessas, que auxilia cerca de 120 meninos de 6 a 17 anos com o futebol desde 2008. “Por causa de um, muitos são atingidos, João escreve um legado de amor, responsabilidade e preocupação com as gerações futuras, para nós é uma honra trazer sua história”, relata Jonas.
A segunda história escolhida para o Faces da Comunidade é da professora Márcia Magal, responsável pelo África Coral, um coral formado por crianças e adolescentes existente há 2 anos, que tem sido um diferencial na luta pela conservação e valorização da cultura quilombola em Campo Grande.
Figura religiosa importante no bairro, Márcia lembra que a conduta precisa ser um diferencial para deixar um legado de amor, paz e compreensão. "Para impactar outras gerações de forma positiva, com obras sociais e espirituais, sem deixar a cultura afro morrer".
Outra figura de destaque na comunidade é Vânia Lúcia, presidente do GMUNE. O grupo existe desde 2014, a partir de uma conversa informal entre as mulheres de diferentes idades em uma roda de tereré. Ao verem o programa de TV “Sexo e as Negas”, escrita pelo Miguel Falabella e exibida na rede globo, comentários viraram questionamentos e críticas, não apenas sobre o programa, mas também sobre a forma como a sociedade enxerga a mulher negra.
Criar o grupo foi uma forma de incentivar e ajudar as mulheres do bairro a voltarem para a sala de aula, para que de alguma forma elas também se tornasse agentes transformadores e conscientes. O grupo se reúne mensalmente desde 2015, crescendo e ganhando notoriedade.
Em vídeo para Faces da Comunidade, Vânia reforça o empoderamento negro na comunidade, que para ela representa o “Quem nós somos e onde nós estamos” presentes na história da Tia Eva e na importância do bairro reconhecido como co-fundador da cidade de Campo Grande.
Para ela o que falta é os moradores tomarem consciência disso e, com organização buscar também o empoderamento político, social e econômico que reforçariam um processo de resistência.
Jonas contou com o apoio de pessoas que acreditam nele e no projeto, como da fotógrafa Thalyta Frana. De acordo com ele, tudo é na base da parceria e da amizade, já que o retorno financeiro da loja virtual ainda é pequeno e é direcionado para o crescimento e estruturação.
Os próximos passos serão conseguir um ponto físico para a venda de camisetas que, por enquanto. é feita sob encomenda e mais tarde investir parte da renda em projetos que retornem para a comunidade, como palestras e workshops sobre empreendedorismo. “Aqui, muita gente trabalha como autônomo, vende produtos ou tem de alguma forma o próprio negócio. Infelizmente eu vejo que não tem muita orientação e com capacitação essas pessoas poderiam crescer e melhorar de vida”, explica.
O Faces da Comunidade não tem uma página própria, mas é possível acompanhar as histórias que fazem a diferença na comunidade e saber mais sobre os produtos, seguindo o Instagram da loja ou a página no Facebook.