Ceia de Natal para moradores de rua acolhe quem busca fugir da solidão
Em confraternização a céu aberto na Praça Cuiabá, voluntários, moradores de rua e até quem tem casa, mas não tem família compartilham uma das datas mais importantes do ano.
Quem se aproximava do centro da Praça Cuiabá nesta véspera de Natal, foi recebido pelo cheiro da comida típica da ceia natalina, com frango assado, farofa, arroz, salada, uma mesa de frutas completa, refrigerante e até panetone. Tudo preparado com carinho pelos voluntários do grupo “Guerreiros do Amor”, pessoas trocaram a tradicional ceia em família para compartilhar mesa com quem tem pouco ou quase nada nessa noite tão especial.
Além da ceia, um estande com roupas e sapatos arrecadados na campanha de Natal do grupo foi montado para doação, era só passar e escolher as peças que atendiam melhor a cada necessidade. Em cima de cada mesa, também havia um panetone embalado para presente e kits com produtos de higiene pessoal, tudo para a data não passar em branco.
Luane Vitória, tem apenas 5 anos, mas acompanha os pais Luciane Aquino e Jair Soares, há 1 ano e 3 meses, nas ações dos “Guerreiros do Amor”. Unidos, esse é o segundo natal da família como voluntários. Alegre e prestativa, Luane passa a noite entre a barraca de doação de roupas e a tenda de comida, ajudando os adultos e conversando com quem veio aproveitar a ceia.
“Queremos que ela cresça consciente da realidade, hoje ela sabe que existem pessoas morando nas ruas que não têm o que comer e o que vestir, mas que nem por isso são menos gente”, diz Luciane, que procura desde cedo ensinar para a filha o significado de compartilhar e ajudar ao próximo.
Por causa do chuva o número de moradores de rua foi menor que o esperado, arredios, os que foram até lá chegaram tímidos, pegaram um prato de comida, algumas roupas e seguiram o próprio rumo sem querer muita conversa.
Como foi o caso de Marcos, que apesar de dividir parte da própria história, não quis tirar fotos e nem dar o nome completo. Ele dorme na região da antiga rodoviária e com lágrimas nos olhos, relembrou os 5 anos que não vê a família e nem sabe o que é natal, tudo porque veio do interior de São Paulo para Mato Grosso do Sul “atrás de mulher” e não tem dinheiro para voltar, mas garante não ter envolvimento algum com dependência química ou coisas erradas.
Já o aposentado Marino, de 76 anos, encontrou na ceia compartilhada uma maneira de espantar a solidão, ele conta que depois do divórcio da esposa ainda na juventude, acabou por se afastar dos filhos e hoje o que restou dos anos de trabalho na construção civil é a aposentadoria, que só é o suficiente para o aluguel de um quartinho ali na região e uma refeição por dia. Para ele, mais que a comida, o capricho na decoração feita pelos voluntários desperta o sentimento de “acolhimento e boas vindas” que há muito ele não tem.
Mesma sensação compartilhada por João Francisco Ribeiro, de 54 anos, que veio passar o 2º natal na companhia do grupo “Guerreiros do Amor”, que de completos estranhos, passaram a fazer parte da família. Recentemente, João se recupera de uma câncer de pele, a cirurgia no rosto foi em outubro e ele diz ainda precisar de mais 2 procedimentos para se livrar de uma vez da “doença que corrói uma pessoa inteira inteira de fora para dentro”, mas nem por isso perde o bom humor ou o gosto pelo natal.
Sem querer ser identificada, a catadora de latinhas, Luzinete aos 55 anos conta que ainda não tem o direito de aposentadoria e a renda de R$ 200 reais foi considerada “alta” para que ela conseguisse o bolsa família, por isso ela veio do Bairro Tiradentes até o Amambai para participar da ceia, que de outra maneira não teria em casa.
Mãe de dois filhos, um que não mora aqui e outra que com poucos recursos, precisou ficar em casa com as crianças, a situação familiar de Luzinete é complicada, marcada pela briga com os irmãos e a morte recente da mãe, de quem foi companheira e cuidadora a vida inteira, ela preferiu ir até a praça, onde em busca de refúgio durante a data que pode ser a mais solitária do ano para quem não tem para onde ir. De lá, ela voltou para casa com 2 sacolas cheias de roupas, vestidos de tecido leve que ela escolheu a dedo para enfrentar o calor de Campo Grande, um kit de higiene pessoal e o panetone que ela vai dividir com a filha e com os netos.
As ações do “Guerreiros do Amor” não para no natal, o grupo existe há dois anos e leva comida todas as quintas-feiras para os moradores de rua na antiga rodoviária. Para quem deseja fazer doações ou participar como voluntário, pode entrar em contato com a idealizadora do projeto, Jessie Leal da Rocha, pelo whatsapp: 9180-9017.