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Comportamento

Depois do "susto", Leo finalmente aceitou a drag dentro de si

Na hora de quebrar seus próprio tabus, ele custou a perceber que drag queen Amanita era sua maior obra prima

Raul Delvizio | 22/04/2021 07:56
Boca aterorrizante é uma das marcas registradas da drag queen Amanita Muscaria (Foto: Arquivo Pessoal)
Boca aterorrizante é uma das marcas registradas da drag queen Amanita Muscaria (Foto: Arquivo Pessoal)

Demorou para cair a ficha – e até levou um "susto" por conta disso –, mas quando o jovem muralista e pintor Leonardo Bueno, 22 anos, entendeu que sua personagem de drag queen era uma de suas "obras primas", seu coração ficou mais tranquilo. No mundo à sua volta, ele era na realidade sua maior crença limitante. Precisou uma pandemia virar o jogo, muita improvisação na tinta guache, um pouquinho de glittler, nenhum par de lentes de contato "demoníaca" (pasme) e bastante ousadia. Ah! E claro conquistar a coroa de Pantanal Super Star após vencer a 7ª edição do concurso "Corrida das Drag".

"Me aceitar não como uma drag mas como artista demorou anos, não foi algo imediato. Quando eu entendi que o que eu fazia era arte, que valia cada esforço, e que as pessoas apreciavam sim, eu me vi livre de qualquer limitação. Em vários momentos, me sentia perdido. "Pra que ficar com uma cara estranha desse jeito?", pensava. Eu mesmo não acreditava no que estava fazendo", afirma.

Pasme, mas Amanita se encontra de olhos fechados – um susto para os desapercebidos (Foto: Arquivo Pessoal)
Pasme, mas Amanita se encontra de olhos fechados – um susto para os desapercebidos (Foto: Arquivo Pessoal)

Tudo começou quando se mudou de Coronel Sapucaia para Campo Grande. Isso no ano de 2015, conta. "Quando terminei meu primeiro relacionamento, 1 ano depois, foi que comecei a sair na noite campo-grandense. Mas só fui entender mais recentemente que já naquela época eu me tratava de um 'club kid' (movimento cultural nas boates estadunidenses dos anos 80-90), e a personagem surgiu naturalmente após uma amiga faz minha primeira make", recorda Leo sobre Amanita Muscaria, sua drag queen que leva no nome o termo científico que designa o cogumelo do Mario, série de videogames da Nintendo.

"No início, achava que tudo não passava de uma brincadeira para ir pra balada. Bastava umas pinturas no rosto, alguns acessórios descolados e pronto", diz. Mas na realidade, precisou um pouquinho mais disso tudo para se revelar enquanto artista na arte drag.

Registro de uma de suas primeiras montações, bem diferente da drag "completa" de agora (Foto: Arquivo Pessoal)
Registro de uma de suas primeiras montações, bem diferente da drag "completa" de agora (Foto: Arquivo Pessoal)
Desde o início das saidinhas na noite campo-grandense, Leo se via como um "club kid", e não drag queen (Foto: Arquivo Pessoal)
Desde o início das saidinhas na noite campo-grandense, Leo se via como um "club kid", e não drag queen (Foto: Arquivo Pessoal)

Desde pequeno, Leo sempre teve jeito para coisas manuais. "Sempre amei mexer com arames e outros materiais, o que me ajuda até hoje a criar adereços. Eu pegava brincos, cintos e correntes e tentava criar coisas legais com isso", ressalta Leo que se considera um autodidata nas artes plásticas.

Os filmes das falecidas videolocadoras e também programas infantis da TV Cultura fizeram seu imaginário. Essa relação só ficou mais forte com o tempo, e influenciou diretamente o estilo de Amanita. "Tenho uma paixão muito grande por filmes antigos, aqueles com efeitos práticos, clichês e improvisações me deixam fascinado. A mistura de tudo isso é a referência para os trabalhos da Amanita". Mais atualmente, em invés do consagrado "RuPaul's Drag Race", é o lado trash, aterrorizante, fantasioso e em tom de mistério do programa de drag queens "The Boulet Brothers' Dragula" que Leo se inspira.

É um ar de mistério, fantasia e terror que Leo se inspira para criar Amanita (Foto: Arquivo Pessoal)
É um ar de mistério, fantasia e terror que Leo se inspira para criar Amanita (Foto: Arquivo Pessoal)

"A marca da Amanita são garras longas e olhos assustadores. Minha transformação só fica completa quando vejo o look fotografado. As duas artes se complementam. E entrar para o curso de arquitetura e urbanismo em 2017 me deu conhecimento técnico quanto à isso, além de que praticar maquetes e outros trabalhos manuais também me auxiliam na criação das roupas e acessórios. Creio que sem o conhecimento que adquiri eu não teria a estética da Amanita de hoje", esclarece.

Creio que 'causo' sem abrir a boca. Simplesmente deixo as coisas seguirem seu curso e observo o circo pegar fogo! E minha imagem 'quieta' fala muito mais do que qualquer palavra dita".

Arte psicodélica também é uma de suas referências, principalmente em um reality de darg queens estadunidense (Foto: Arquivo Pessoal)
Arte psicodélica também é uma de suas referências, principalmente em um reality de darg queens estadunidense (Foto: Arquivo Pessoal)

Autoaceitação – No mesmo processo da aceitação de artista drag queen, veio a sua identificação com o gênero não-binário, isto é, Leo não se sente nem "homem" ou "mulher", mas um híbrido dos dois.

"Creio que ainda estou tentando descobrir  quem realmente sou. Fora da Amanita, eu me apresento mais pelo meu lado masculino. Existe um imaginário social do que uma pessoa não-binária deve parecer, e por eu não atender isso sou muitas vezes desvalidado. Nos aplicativos de relacionamento, por exemplo, eu sou a Amanita 'moça passiva' ao invés de ser simplesmente o Leo 'homem ativo'. Isso mostra o peso dos estereótipos dentro da própria comunidade LGBT", considera.

De olhos fechados: Leo já fez Amanita se transformar em uma figura japonesa ao estilo "sashimi" (Foto: Arquivo Pessoal)
De olhos fechados: Leo já fez Amanita se transformar em uma figura japonesa ao estilo "sashimi" (Foto: Arquivo Pessoal)

Seus pais nunca compreenderam exatamente o que o filho estava a fazer com a montação de Amanita, porém nunca desrespeitaram sua atitude de estar enquanto drag queen.

"Eles sempre apoiaram meu lado artístico como um hobby, nunca como uma profissão. Não tem problema. Eles me respeitam e eu os respeito também. Afinal, eles são minha estrutura. Meu pai me ensinou o 'jeitinho' da medicina natural brasileira e minha mãe é aquela que sabe cobrar o que eu mereço. Ela vive me dizendo: 'se for pra você fazer isso, que faça direito! Nada de usar coisa mal feita, não', brinca, Mesmo não entendendo nada, eles sempre estiveram me ajudando como podiam", agradece Leo.

E por fazer a "coisa direito", a personagem drag queen de Leo foi a campeã da 7ª temporada do reality "Corrida das Drag". Entretanto, a cada episódio que participava, achava que seria seu último. "Foi uma experiência de crescimento e entendimento, já que ali você tem que equilibrar quem você é com o que é cobrado na disputa. Confesso que meu psicológico ficou abalado em vários momentos. Mas segui forte. Fiquei sem reação quando ganhei, mas fiquei orgulhoso do meu desempenho. Agora, caso alguém queira desqualificar o meu trabalho, eu posso dar uma carteirada", brinca.

Eu praticamente ganhei a corrida de olhos fechados! Aliás, praticamente não, literalmente!", Leo faz piada sobre o fato de pintar sua pálpebras como se fossem olhos.

Leo é o campeão da 7ª "Corrida das Drag" e Amanita sua personagem única e vitoriosa (Foto: Arquivo Pessoal)
Leo é o campeão da 7ª "Corrida das Drag" e Amanita sua personagem única e vitoriosa (Foto: Arquivo Pessoal)

Sobre sua contribuição tanto no reality – que aconteceu de forma on-line devido à pandemia de covid-19 – quanto na arte drag, Leo sabe que a transformação do ser não só é importante, mas constante. "Uma promessa que faço é estar atento às tendências e exigências de todos os públicos queers. Fico feliz em dizer que, mesmo à distância nesse momento, tenho várias parceiras ao meu lado, entre elas a minha amiga de 'corrida' Afroqueer, a gata mais talentosa de todas e que vive me ajudando a conceber a arte drag em sua plenitude", finaliza.

Para conferir mais o trabalho de Leo enquanto Amanita, basta visitar seu perfil no Instagram.

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