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Comportamento

Do Canadá, Geise faz do isolamento uma crônica ao som de Belchior

"As Aves Que Aqui Gorjeiam, Não Gorjeiam Como Lá, Uma Quarentena Canadense", escreve nutricionista de Vancouver

Paula Maciulevicius Brasil | 01/04/2020 09:12
Geise, na janela de casa, no Canadá. (Foto: Arquivo Pessoal)
Geise, na janela de casa, no Canadá. (Foto: Arquivo Pessoal)

Isolada no Canadá, Geise Machulek se debruça nas palavras para poetizar e também encontrar conforto. Nutricionista, ela é campo-grandense, mas foi criada em Maracaju, e aos 44 anos, foi viver um período em Victoria, que fica na Ilha de Vancouver. De lá que sai a crônica: "As Aves Que Aqui Gorjeiam, Não Gorjeiam Como Lá, Uma Quarentena Canadense".

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"As Aves Que Aqui Gorjeiam, Não Gorjeiam Como Lá"

Uma Quarentena Canadense

Hoje acordei mais cedo que de costume, na verdade, despertei com a algazarra matinal que gaivotas e maçaricos fazem à beira mar. Estamos na primavera e a escuridão e frio do inverno estão cada dia mais distantes aqui na ilha, mas depois de tanto tempo longe de casa, confesso: estou mesmo é com saudades de acordar com a cantoria dos galos, naquele cocoricó que só quem já morou no interior é que sabe. Ahhh, o poeta (Gonçalves Dias) tinha razão: As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. 

Pulo da cama para preparar o café, mas não vou sair para lugar algum, não se pode sair de casa por esses dias, estamos em distanciamento social por causa da pandemia e a música do Belchior “Galos noites e quintais” começa a martelar aqui com força total:

“Eu era alegre como um rio

Um bicho, um bando de pardais

Como um galo, quando havia

Quando havia galos, noites e quintais

Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo

O mal que a força sempre faz...”

Fronteiras fechadas, limitações, quarentena, incertezas assombram a todos nós e o tal tempo negro que diz música, certamente já chegou.

Na tv hoje o primeiro ministro do Canadá Justin Trudeau pede: “Please Stay Home” - Por favor fique em casa! 

O cheiro de café percorre a casa. Casa. Lembro-me do cheiro do café pela  casa no Brasil, da minha gata fofa Serena, dos meus filhos, do jardim florido e do sol, ahhh, aquele sol do meu Mato Grosso do Sul!

É verdade que o espaço é mais restrito aqui casa victoriana que na ensolarada casinha campo-grandense, o clima também é diferente, a comida é diferente, os costumes, o idioma também, a família toda está distante, mas a fé que me acompanha é a mesma: Isso vai passar, claro que vai! 

Enquanto isso, as horas passam e eu escrevo, cozinho, estudo, faço exercícios no tapete, cuido da casa e, entre uma atividade e outra, peço proteção divina e cutuco meus filhos e minha mãe por telefone: ‘- Fiquem em casa, lavem as mãos’, sem me dar conta que além de ser mãe, sou também filha, e minha mãe deve estar exatamente feito eu aqui: em oração pelos filhos.

O dia segue aqui dentro, olho pela janela, ninguém na rua, tudo parado, ainda assim, minha alma poeta que se encanta com as coisas simples da vida, dança ao som de Belchior e se enlaça em cada pedacinho da “Canção do Exílio” do poeta Guimarães Rosa, definitivamente não, as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá! 

*Geise Machulek, Ilha de Vancouver - Victoria, Colúmbia Britânica, Canadá.


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