Do combate à hanseníase a histórias de amor, São Julião faz 79 anos
São mais de sete décadas de trajetória, marcadas pelo combate à doença que causou preconceito e transformou vidas em Campo Grande
Do tratamento de enfermos aos romances pelos corredores, o Hospital São Julião completa 79 anos de histórias marcadas por emoções, cura, fé e muito amor. O local foi criado em 5 de agosto de 1941, em Campo Grande, para ajudar no combate à hanseníase, a antiga lepra, doença crônica causada por uma bactéria, que afeta a pele e é transmissível.
“O objetivo sempre foi o acolhimento das pessoas com doenças que causam impacto de discriminação, sofrimento. A hanseníase é um problema milenar, que causa preconceito, embora hoje seja uma doença controlável. A característica forte do hospital é essa”, diz o diretor administrativo do hospital, Amilton Fernandes Alvarenga, 62.
Ele trabalha no local há 12 anos, conhece a história do hospital que é filantrópico, mas com 96% dos atendimentos realizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Durante uma conversa com o Lado B, Amilton recorda dos fatos que marcam os 79 anos do hospital.
“Quando a cura chegou ao Brasil, o tratamento deixou de isolar as pessoas e o perfil do hospital foi mudando”, diz. Naquele tempo, o local chegou a receber 300 pacientes, que passaram a morar ali até a década de 70, por conta do isolamento e tratamento. “Atualmente não precisa mais do afastamento”, destaca.
Aos poucos, o hospital foi se modernizando e contando com mais especialistas para atender a demanda. “Temos o setor de reabilitação, tem fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia para atender aos pacientes com a doença”, comenta.
No dia do aniversário do São Julião, Amilton volta no tempo e lembra da época em que o ex-presidente da República, Getúlio Vargas esteve em Campo Grande para participar da inauguração do local, na década de 40.
“Um fato importante. Os pacientes que estavam internados por conta da doença, foram retirados da celebração e tiveram de assistir tudo do outro lado do córrego. Um grupo de Maracaju soube desse fato e depois organizou uma festa para as pessoas que foram segregadas naquele momento”.
Desde então, Amilton relata que o aniversário do hospital passou a ser patrocinado por moradores de Maracaju, que enviam carnes para assar na celebração. “Somente neste ano não estamos fazendo o churrasco por conta da pandemia do coronavírus”, pontua.
Os anos se passaram e além de atuar no combate à doença, o hospital também passou a realizar atendimentos voltados para as outras áreas da saúde. “Temos a parte cirúrgica para oftalmologia, tireoide, cirurgia geral, ortopedia, otorrinolaringologia, odontologia especial para quando precisa de sedação”.
Conforme Amilton, atualmente o Hospital São Julião realiza cerca de 600 a 700 cirurgias por mês.
Estrutura – O local está num terreno de 240 hectares, mas apenas 30 fazem parte da estrutura do hospital, que conta com 30 leitos cirúrgicos e 80 leitos clínicos, segundo Amilton. “Temos 60 edificações”, enumera.
“Além disso, também temos a nossa fazenda, onde produz leite, verduras que são consumidos aqui”, diz. Tem ainda uma capela, refeitório e até alojamentos onde alguns pacientes ficam hospedados.
Apesar da estrutura, o hospital não tem UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) e nem CTI (Centro de Tratamento Intensivo), mas nesse período de pandemia está ajudando a desafogar outras unidades de saúde.
“Estamos servindo de retaguarda para os outros hospitais. Estão encaminhando pacientes que a gente possa atender, assim sobram mais vagas para atender as pessoas com coronavírus”, destaca Amilton.
Fases – A escritora e musicista, Lenilde Ramos também participou da trajetória do hospital e até escreveu o livro “História sem nome”. A história dela no São Julião começa aos 17 anos, realizando trabalhos voluntários, até que se efetivou e passou a dar aula.
“Entrei nova, com a irmã Silva [Vecceli atual presidente do hospital], depois virei professora da escola. São anos de histórias e fiz o livro para contar o que as pessoas não viam. Ninguém entrava lá, achavam que pegaria a doença se encostasse”.
Ela comenta que o hospital passou por fases. “Nasceu para acolher as pessoas com a doença. A hanseníase atravessa milênios, passou pela Europa, Ásia. Foi uma pandemia avassaladora e causou medo na população”, diz.
“Quando o hospital surgiu, ainda representava a velha situação da hanseníase no mundo, pois, como não sabiam o que fazer com as pessoas que tinham a doença, as deixavam confinadas e com guardas. Esse retrato perdurou até o fim da década de 60, mesmo quando já tinha remédio”.
Lenilde relata que após a chegada da irmã Silvia, que trouxe voluntários para ajudar na causa, iniciou uma nova era do hospital. “Foram atrás do que a medicina oferecia, para proporcionar saúde e dignidade aos pacientes, além alimentação, roupa limpa, educação”.
“Foi uma fase na qual a doença já era controlada. O hospital cumpriu com a missão de atuar no combate à hanseníase. Hoje é referência no Brasil, atende a comunidade, tem ambulatório. Trabalha não apenas na parte médica, como também no amparo humano, científico e educacional e é isso que as pessoas precisam”, frisa.
Acontecimentos – São tantos anos de existência que o hospital também já fez parte da fé, quando recebeu a visita do Papa João Paulo II, em 1991, época em que esteve na Capital.
Em 2012 trabalhadores e pacientes do hospital se reuniram para encenar a apresentação Via-Sacra, em celebração a Paixão de Cristo. A peça foi escrita por Lino Vilachá, poeta que ficou internado mais de 30 anos com hanseníase. O espetáculo “do doente” é realizado há mais 16 anos dentro da unidade hospitalar. (Leia mais clicando AQUI).
Também é parte da história do hospital a figura de José Garcia, o famoso Gavião que comemorou os 107 anos em 2012. Na época, o Lado B chegou a narrar a vida do personagem que era exemplo de alegria e bom humor. Morou por 70 anos no hospital, onde dizia ser feliz e bem tratado. (Leia mais clicando AQUI)
O São Julião também foi palco para romance, quando a história de dois amores começou com os pais e se repetiu com os filhos. O lugar foi escolhido pelo professor universitário brasileiro Giovanni Pellizer e pela terapeuta italiana Sonia Menabreaz para celebrarem a união.
Eles se casaram na capela e comemoraram o casamento na quadra esportiva do local, em junho de 2017. A celebração contou com um almoço caipira para 200 convidados e a história também foi contada pelo Lado B. (Leia clicando AQUI).
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