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Comportamento

Dona Xica é a prova de que não tem idade pra assumir as tranças afro

Junto da neta, a matriarca descobriu há 2 anos o que é se sentir bela, feliz e empoderada enquanto mulher negra sessentona

Raul Delvizio | 13/11/2020 07:34
Aos 63 anos, Dona Xica assumiu definitivamente as tranças afro (Foto: Arquivo Pessoal)
Aos 63 anos, Dona Xica assumiu definitivamente as tranças afro (Foto: Arquivo Pessoal)

Por insistência da neta Bruna, a avó Francisca Ercília Pinheiro – mais conhecida por ser a Dona Xica do bairro Dom Antônio – resolveu aderir à moda das tranças afro. No início, houve relutância, desconfiava se o penteado serviria pra ela. Agora não é preciso mais duvidar se gostou: há dois anos largou de vez a máquina de cabelo e o alisamento capilar. Se reencontrou enquanto mulher negra de idade e, o melhor de tudo, recorrendo a uma tradição que virou coisa de família.

"Tem que aquela historinha popular que quando a mulher fica mais velha, ou coloca silicone no peito ou pinta o cabelo de loiro. No meu caso, ainda bem que não fiz nenhum dos dois, fui direito na trança nagô", brinca Dona Xica.

Iniciativa das tranças veio da neta Bruna (Foto: Arquivo Pessoal)
Iniciativa das tranças veio da neta Bruna (Foto: Arquivo Pessoal)
Aqui, as duas ainda não tinham colocado as tranças, estavam ao natural (Foto: Arquivo Pessoal)
Aqui, as duas ainda não tinham colocado as tranças, estavam ao natural (Foto: Arquivo Pessoal)

Tudo começou pela vontade da neta Bruna em mudar seu próprio estilo de cabelo. "Eu queria muito fazer algo novo, mas não sabia como – e tinha medo. No meu pensamento, eu como mulher negra poderia danificar facilmente o cabelo se eu pintasse ou fizesse qualquer outra coisa química, e iria ficar igual a todo mundo", explica a moça de 20 anos. Fugindo do alisado e buscando uma solução mais natural, encontrou o box braids.

Esse tipo de trança junta o fio de fibra sintética aos fios naturais, formando um visual diferente, moderno e de pertencimento à cultura negra. Para as meninas, assumir esse estilo é mostrar identidade e resistência – independente da idade.

É vestir uma camisa, é não ter medo de ser quem nós somos. Quando a gente faz algo de diferente, nós não podemos ficar 100% do nosso tempo preocupado com a repercussão e tudo mais. Temos que dar cara a tapa nas coisas, na vida", reflete Dona Xica.

Sorriso no roto, brilho no olhar e tranças no cabelo (Foto: Arquivo Pessoal)
Sorriso no roto, brilho no olhar e tranças no cabelo (Foto: Arquivo Pessoal)

Juntas, a tradição das tranças nagô e também das box braids virou coisa entre neta e avó, isso nos mais diferentes estilos: já fizeram metade/metade (preto/platinado), do vinho ao prata e várias outras cores. A última de Bruna foi ter suas madeixas inteiramente platinadas. Por sua vez, Dona Xica não fica atrás, foi do rosa ao verde, passando pelo vermelho, roxa, um pouco de platinado e mais. Tudo nas mãos do trancista afro de confiança.

E é aí que o Cadu Braids entra nessa história. "Dona Xica veio pra mim como um presente, indicada por outra cliente. A primeira vez que ela chegou no meu salão, senti uma conexão muito forte, parecia que nos conhecíamos há muito tempo", disse o cabeleireiro Cadu Ortega.

"No bate-papo, descobri que antes das tranças ela mantinha o cabelo raspado curtinho ou alisado. Cada vez mais, vejo que ela se permite retornar às raízes, se libertar das amarras e se sentir autêntica", confirma o trancista.

E claro, como ela mesmo sempre diz: a mulher tem que se sentir livre e linda do jeito que quiser".

Em comemoração aos 20 anos de Bruna, a neta resolveu assumiu a cor loira de sua box braids (Foto: Arquivo Pessoal)
Em comemoração aos 20 anos de Bruna, a neta resolveu assumiu a cor loira de sua box braids (Foto: Arquivo Pessoal)
Mais ousada, Bruna confessa que sempre quis ter esse tom para realmente chamar atenção (Foto: Arquivo Pessoal)
Mais ousada, Bruna confessa que sempre quis ter esse tom para realmente chamar atenção (Foto: Arquivo Pessoal)

Cabeleira sempre pronta – Ao se tratar das tranças, não estamos a falar de algo que é só ir no salão e rapidinho sai com o novo estilo no cabelo. Em média, a sessão de nagô ou box braids demora por volta de 6 a 8 horas. Ou seja, é praticamente almoçar/jantar com o cabeleireiro.

"É bem isso! Primeira vez que fomos ao Cadu, chegamos de manhã cedo. Ele começou no meu cabelo, ao mesmo tempo que desmanchava o da minha avó, e assim foi indo. Almoçamos juntos e até chá da tarde da mãe dele nós ganhamos. Saímos de lá às 20h", relembra Bruna.

Cadu trabalha na cabeleira de Dona Xica (Foto: Reprodução/Instagram)
Cadu trabalha na cabeleira de Dona Xica (Foto: Reprodução/Instagram)
Aqui, Cadu trança um cabelo feminino ao estilo box braids (Foto: Arquivo Pessoal)
Aqui, Cadu trança um cabelo feminino ao estilo box braids (Foto: Arquivo Pessoal)

Para Dona Xica, ter o cabelo assim, feito com as tranças, além de repassar uma ancestralidade, cultivar um hábito que faz parte da própria raça, é sair sempre "bem arrumadinha", independente da ocasião.

"A gente não precisa ficar se preocupando com o que fazer com o cabelo. Com as tranças, estamos 100% prontas. Até põe a nossa autoestima mais pra cima", comenta.

E admite: "as pessoas reparam mais. Mas isso pro bem ou pro mal. Tem gente que não gosta, mas a gente não faz por elas. Agora, até os homens dão uma olhadinha extra. É bom", finaliza.

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"É vestir uma camisa, é não ter medo de ser quem nós somos. Quando a gente faz algo de diferente, nós não podemos ficar 100% do nosso tempo preocupado com a repercussão e tudo mais. Temos que dar cara a tapa nas coisas, na vida" (Foto: Arquivo Pessoal)
"É vestir uma camisa, é não ter medo de ser quem nós somos. Quando a gente faz algo de diferente, nós não podemos ficar 100% do nosso tempo preocupado com a repercussão e tudo mais. Temos que dar cara a tapa nas coisas, na vida" (Foto: Arquivo Pessoal)
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