Dona Xica é a prova de que não tem idade pra assumir as tranças afro
Junto da neta, a matriarca descobriu há 2 anos o que é se sentir bela, feliz e empoderada enquanto mulher negra sessentona
Por insistência da neta Bruna, a avó Francisca Ercília Pinheiro – mais conhecida por ser a Dona Xica do bairro Dom Antônio – resolveu aderir à moda das tranças afro. No início, houve relutância, desconfiava se o penteado serviria pra ela. Agora não é preciso mais duvidar se gostou: há dois anos largou de vez a máquina de cabelo e o alisamento capilar. Se reencontrou enquanto mulher negra de idade e, o melhor de tudo, recorrendo a uma tradição que virou coisa de família.
"Tem que aquela historinha popular que quando a mulher fica mais velha, ou coloca silicone no peito ou pinta o cabelo de loiro. No meu caso, ainda bem que não fiz nenhum dos dois, fui direito na trança nagô", brinca Dona Xica.
Tudo começou pela vontade da neta Bruna em mudar seu próprio estilo de cabelo. "Eu queria muito fazer algo novo, mas não sabia como – e tinha medo. No meu pensamento, eu como mulher negra poderia danificar facilmente o cabelo se eu pintasse ou fizesse qualquer outra coisa química, e iria ficar igual a todo mundo", explica a moça de 20 anos. Fugindo do alisado e buscando uma solução mais natural, encontrou o box braids.
Esse tipo de trança junta o fio de fibra sintética aos fios naturais, formando um visual diferente, moderno e de pertencimento à cultura negra. Para as meninas, assumir esse estilo é mostrar identidade e resistência – independente da idade.
É vestir uma camisa, é não ter medo de ser quem nós somos. Quando a gente faz algo de diferente, nós não podemos ficar 100% do nosso tempo preocupado com a repercussão e tudo mais. Temos que dar cara a tapa nas coisas, na vida", reflete Dona Xica.
Juntas, a tradição das tranças nagô e também das box braids virou coisa entre neta e avó, isso nos mais diferentes estilos: já fizeram metade/metade (preto/platinado), do vinho ao prata e várias outras cores. A última de Bruna foi ter suas madeixas inteiramente platinadas. Por sua vez, Dona Xica não fica atrás, foi do rosa ao verde, passando pelo vermelho, roxa, um pouco de platinado e mais. Tudo nas mãos do trancista afro de confiança.
E é aí que o Cadu Braids entra nessa história. "Dona Xica veio pra mim como um presente, indicada por outra cliente. A primeira vez que ela chegou no meu salão, senti uma conexão muito forte, parecia que nos conhecíamos há muito tempo", disse o cabeleireiro Cadu Ortega.
"No bate-papo, descobri que antes das tranças ela mantinha o cabelo raspado curtinho ou alisado. Cada vez mais, vejo que ela se permite retornar às raízes, se libertar das amarras e se sentir autêntica", confirma o trancista.
E claro, como ela mesmo sempre diz: a mulher tem que se sentir livre e linda do jeito que quiser".
Cabeleira sempre pronta – Ao se tratar das tranças, não estamos a falar de algo que é só ir no salão e rapidinho sai com o novo estilo no cabelo. Em média, a sessão de nagô ou box braids demora por volta de 6 a 8 horas. Ou seja, é praticamente almoçar/jantar com o cabeleireiro.
"É bem isso! Primeira vez que fomos ao Cadu, chegamos de manhã cedo. Ele começou no meu cabelo, ao mesmo tempo que desmanchava o da minha avó, e assim foi indo. Almoçamos juntos e até chá da tarde da mãe dele nós ganhamos. Saímos de lá às 20h", relembra Bruna.
Para Dona Xica, ter o cabelo assim, feito com as tranças, além de repassar uma ancestralidade, cultivar um hábito que faz parte da própria raça, é sair sempre "bem arrumadinha", independente da ocasião.
"A gente não precisa ficar se preocupando com o que fazer com o cabelo. Com as tranças, estamos 100% prontas. Até põe a nossa autoestima mais pra cima", comenta.
E admite: "as pessoas reparam mais. Mas isso pro bem ou pro mal. Tem gente que não gosta, mas a gente não faz por elas. Agora, até os homens dão uma olhadinha extra. É bom", finaliza.
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