Em 19 dias, Bruno se despediu do filho e da mulher que tanto amava
"Ela tinha tanto amor que não quis deixar seu bebê", diz o jornalista sobre a esposa Jucyllene Castilho
Escrever e postar fotos tem amenizado a dor do jornalista Bruno Arce, de 34 anos. Num intervalo de 19 dias, ele se despediu do filho, que deixou de viver ainda na barriga da mãe, e da mulher, a também jornalista Jucyllene Castilho. Com uma malformação descoberta no quarto mês de gestação, os pais ouviram de tudo dos médicos, inclusive que deveriam considerar um aborto. Coisa que nunca atingiu Jucy, que seguia com a gravidez como se nada fosse levar seu filho.
Passada a cesariana, a jornalista passou a sentir desconfortos como falta de ar e muita dor. Chegou a ter um diagnóstico de pneumonia e a possibilidade de uma embolia, até ter uma parada cardiorrespiratória e partir.
Como alívio e também desabafo, Bruno escreve e volta no tempo reforçando o quanto amou e disse isso para a mulher em vida. Os dois se conheceram na redação do jornal, primeiro ficaram amigos, até que, em 2012, iniciaram um namoro que três anos depois foi levado para o altar, num casamento ao ar livre com pôr do sol.
"No dia choveu tanto. Foi dia 1º de maio de 2016, um feriado escolhido a dedo para que outras pessoas pudessem vir. A chuva não desanimou, quem conhece a Jucy sabe, ela nunca se entrega. É mulher forte. Quis o destino que o céu se abrisse e pudéssemos fazer a cerimônia e a festa como imaginávamos", descreve Bruno, falando da esposa ainda no presente.
Já casados, o jornalista conta que recebeu todo o incentivo da mulher para fazer outra faculdade e assim se formou em Administração. Aprendeu a planejar, se controlar e fazer planos. Filhos ainda não estavam previstos, eles queriam primeiro curtir a vida a dois.
"Nossos gostos são tão iguais que era difícil a gente não se divertir junto. Gostamos de compras. Ir a Ponta Porã, ir a São Paulo. Fizemos isso por anos seguidos na nossa vida. Não tinha nada de praia, fazenda. Gostávamos da rua, de olhar roupa, eletrônico, bebidas, algo pra casa", lembra.
Depois de alcançarem estabilidade, resolveram reformar a casa para receber os afilhados e sobrinhos. "Mãezona" como Bruno descreve, Jucy tinha três afilhadas e um carinho enorme por todas. Até a piscina que eles fizeram no quintal foi pensada para as crianças, com uma parte mais rasa.
Já na pandemia, eles queriam terminar fazendo uma área gourmet e um escritório, porque o sonho do casal era de se ver trabalhando com um cercadinho, olhando para os filhos que viriam.
"Em maio, veio a notícia da gravidez. Ficamos em silêncio esperando o terceiro mês para evitar muita euforia. Lembro que no Dia dos Pais só ela me deu os parabéns, pessoalmente e indiretamente no grupo da família", relata Bruno.
Até que no quarto mês, sem ninguém saber ainda na gravidez, apareceram os primeiros sinais de complicações. A criança tinha onfalocele, uma malformação abdominal, que não fecha a barriguinha e alguns órgãos ficam de fora. Era preciso cirurgia. Outra preocupação também foi levantada, Jucy tinha um cisto.
O casal só contou para a família no quinto mês, com a barriga já aparecendo. A malformação do bebezinho trazia consigo síndromes. No caso de Théo, vinha com problemas no coração, nos rins e também no pulmão. "Nasceria especial, até mesmo com chance de ter microcefalia. Fomos em todos os médicos da cidade. Andamos em cada especialista, porque nosso bebê precisaria de uma série de médicos na hora do parto. Ouvimos que tinha que abortar, que o bebê morreria, que não tinha jeito", narra Bruno.
Para o pai, cada consulta era um punho no peito. "Me deixava mal, eu não queria ouvir nenhum médico mais. A Jucy encarou de frente, absorvia e seguia com a gravidez como se nada fosse levar nosso filho. A força dela me levantava e trazia fé e esperança", diz o jornalista.
Católicos praticantes, eles procuraram o beato Carlo Acutis, rezaram e pediram por um milagre na vida do filho. Nesta fase da gestação, Bruno conta que sentia que também deveria pedir pela saúde da esposa. A gravidez seria levada até o último mês. No entanto, quando Théo fez 36 semanas, a bolsa estourou, na madrugada do dia 11 de fevereiro.
O coração do bebê parou assim que chegamos no hospital. Sabíamos que aquela hora nosso filho tinha nos deixado. Fizeram o parto, fiz questão de estar ao lado dela. Vi meu bebê sair da mãe e não consigo te descrever o que é ver um lençol, só descoberto a cabeça do Théo, a barriga da minha esposa sangrando e ela anestesiada".
Jucy estava sedada e só foi acordar no quarto. Forte, pediu para ver o filho antes dele ser velado. "Ela o pegou no colo, passou a mão nos cabelos. Um bebê que tinha o rosto certinho, mãozinhas com algumas deformações e os dedos dos pés também. Neste momento vi a força da minha mulher e que mesmo em uma tristeza transmitia amor ao seu filho", descreve Bruno.
O pós-parto foi passado na casa dos pais de Jucyllene. Ela até levantava da cama, conversava, mas carregava uma tristeza enorme. Passados os dias, começou a ter crises de tosse, dores no peito e a ficar sem ar. Desesperador para quem assistia e tentava ajudar. De volta ao médico, a jornalista foi diagnosticada com princípio de pneumonia, mas depois viram que poderia ser uma embolia.
"Para a embolia necessitava de exames e os resultados demoravam, mas como ela foi melhorando com a medicação, descartaram a embolia", explica Bruno. Na sexta e no sábado, dias 26 e 27 respectivamente, o casal até brincou e começou a fazer novos planos pensando nas férias que tirariam juntos em março.
No domingo, dia 28, Bruno foi à missa e quando chegou na casa dos sogros, ouviu a esposa se queixar de uma mancha na perna. Eles mandaram uma mensagem para o médico que orientou que fossem imediatamente ao pronto-socorro. No primeiro hospital, os exames demoraram e a jornalista começou a sentir muita dor na perna. Bruno então levou Jucy para o Hospital da Unimed.
Lá tiveram o diagnóstico de trombose e a internaram para tratar até ela ir para a UCO (Unidade Coronariana) do hospital. "Ela estava totalmente tranquila, com um vestido que ficou enorme, até brinquei ‘está magrinha’ e ela disse que o corpo estava inchado. Falei: 'deixa assim, que não mudará nada o corpo para os nossos gêmeos', porque tínhamos resolvido fazer fertilização", conta Bruno.
Na segunda-feira, dia 1º, os dois conversaram por chamada de vídeo, Bruno pôde orientar a mulher que rezasse, dizer que a amava e que em breve estariam juntos. "Nunca deixei ela sozinha, doía demais. Às 20h, meu sexto sentido voltou, comecei a querer informação, liguei pra muita gente, até que o hospital me ligou às 23h", diz.
A família foi ao hospital para receber a notícia de que Jucy tinha sofrido uma parada cardíaca e havia sido ressuscitada. "Mas estava com a pressão muito baixa e com coágulo no pulmão. Meu chão abriu, rezei, perdi a força. Pedi que iluminassem os médicos", fala.
No dia seguinte, terça-feira (2), Jucyllene piorou. Até vir a confirmação, na parte da tarde, da morte. E, daí por diante, a narrativa de Bruno é escrita na saudade.
"A Jucy tinha amor por crianças imenso. Ela tem um zelo pelos afilhados e sobrinhos. Jamais deixou de abraçar, de beijar, de acolher. Foi com a Jucy que sua afilhada Giovana, filha da jornalista Eliane Ferreira, que comprou o primeiro sutiã. A nossa gestação foi o momento em que mais nos amávamos. Tínhamos um carinho enorme um por outro, fazia questão de toda noite fazer alongamento nas pernas e de rezarmos juntos. Em todas as minhas preces, pedi pela alma e saúde do Théo e da minha esposa Jucyllene, que livrai de todos o mal. Na última ela me interrompeu e disse: 'e pelo meu esposo Bruno'. Somos muito idênticos, no rosto, nos gostos, nos jeitos. Tenho certeza que nascemos um por outro. Desculpe digitar tanto, falar dela me faz bem".
Para a perda do filho, Bruno diz que estava preparado, espiritualmente e religiosamente e que recebeu conforto de Deus. "Entendi que não posso ser egoísta e querer tudo na vida, meu filho lutou muito... A frase que está eternizada no seu túmulo é: 'Ser pais de um anjo: é devolver seu filho ao céu e ter a obrigação de continuar. De dois corações um só se fez..." Théo Acutis Castilho Vaitti'".
Mas perder a esposa, nunca tinha passado pela cabeça do jornalista. Logo eles, cheios de planos e com uma vida enorme pela frente. Os dois se viam velhinhos um ao lado do outro.
Bruno acredita que houve falha médica e uma sequência de erros. "Na gestação, sempre as decisões eram para o bebê, quando teve o parto e as complicações, ocorreu dificuldade para detectar a trombose e alguns exames não foram pedidos. Quando pediram o resultado sairia muito tempo depois, e a trombose atingiu muito rápido", avalia.
No dia da despedida, Bruno sentiu o amor que Jucy deixou pelo carinho recebido dos familiares, amigos e colegas de profissão.
Ela é uma pessoa especial, que tinha amor tanto que não quis deixar seu bebê. Imaginou todos os detalhes de casa para recebê-lo. Foi uma filha que sempre cuidou dos pais, mandava mensagens e quando saíamos para comer, sempre levava alguma coisa pra eles. Mulher forte, trabalhou e conquistou tudo sozinha. Tenho certeza de que ela é meu amor da eternidade, que vivemos um relacionamento incrível. Estávamos nos melhores momentos das nossas vidas".
Jucyllene foi enterrada ao lado do filho Théo, no Cemitério Memorial Park.
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