Esforço no curso de Medicina emociona colegas que criam grupo para ajudar Paulo
Aos 19 anos, ele veio de MT sem dinheiro e ainda teve de enfrentar as barreiras impostas pela deficiência física
O estudante Paulo Victor Gomes Ferreira é um exemplo de que é possível transformar frustração e obstáculos em motivação e força de vontade. Com apenas 19 anos, ele já é acadêmico do concorrido curso de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. A falta de recursos e o esforço visto pelos corredores da UFMS fizeram surgir uma corrente de apoio e solidariedade, que atingiu colegas, professores e até pais de outros alunos.
Natural de Rondonopólis-MT, Paulo se viu diante de várias barreiras que poderiam ter abalado sua determinação. A primeira é a dificuldade para se locomover, por conta de má formação congênita na perna esquerda, que é cerca de 27 centímetros mais curta. O estudante também não teria condições financeiras para viver sozinho em Campo Grande, arcando com custos de aluguel, alimentação e materiais de estudo.
Apesar disso, ele jamais desistiu do seu sonho: se formar médico, para ajudar quem precisa e, especialmente, aqueles que enfrentam obstáculos semelhantes aos seus. “Minha motivação veio da frustração, porque eu nunca consegui tratamento no Sistema Público de Saúde. Eu quero me formar em Medicina para cuidar de mim e ajudar os outros”, conta.
Estudante de escola pública, ele passava todo o tempo livre na biblioteca, se preparando para o vestibular. O esforço deu resultado e, na segunda tentativa no ENEM, conquistou a sonhada vaga no curso mais concorrido do País. Sem muito dinheiro, foi para a rodoviária, carregando poucas certezas, mas muita vontade. “Eu pensei: se eu conseguir auxílio de bolsa da universidade, eu fico. Se não, eu vou embora”.
“Ele foi muito corajoso. Chegou na cidade só com uma mala, sem conhecer ninguém”, diz a pediatra Lillian Carvalho, mãe de Carlos Eduardo, colega de Paulo na faculdade. “Logo eu pensei: se fosse o meu filho, eu iria querer que ele recebesse ajuda”, pontua.
Lillian e Carlos, então, ofereceram carona para Paulo, no terceiro dia de aula, no mês passado. Durante o bate-papo, perceberam o cansaço do rapaz, que precisava fazer longas caminhadas a pé, dentro da UFMS. “Eu já estava tendo que tomar relaxante muscular, analgésico, por conta da dor”, conta Paulo. “É tudo muito distante. A universidade tem a questão da acessibilidade e até o ônibus, mas as vezes os horários não batem”.
Disposta a ajudar, Lillian conseguiu uma bicicleta para Paulo. “Ele é um batalhador, uma pessoa que tem tudo para vencer”, diz. A partir disto, a história percorreu a universidade, aflorando solidariedade.
Com o auxílio de alunos e professores, Paulo agora faz natação, fisioterapia e conseguiu atendimento ortopédico. O resultado é locomoção 100% melhor com a bibicleta, que ele define como seus sapatos. "Ela está comigo para onde eu for”. Ele também conseguiu doação de livros, acessórios de estudo e uma boa ajuda para mobiliar a casa. Os estudantes também realizaram uma vaquinha on-line e continuam oferendo auxílio ao colega de classe.
“Eu nunca imaginei que as pessoas iriam me ajudar tanto. É surpreendente, não consigo nem acreditar em todo apoio que estão me oferecendo”. O acadêmico está recebendo uma bolsa temporária da UFMS e pretende se inscrever para ganhar a bolsa permanente, que dura 1 ano. “É como vou poder estudar e me manter”, define.
Humildade - “O Paulo não se envergonha de quem ele é ou de sua origem. Acredito que o que motivou todos a ajudá-lo foi a coragem dele e a humildade, entende?”, comenta o veterano do curso, Bruno Luiz Nunes da Silva, de 20 anos.
Paulo demonstra um carinho especial por sua mãe, Francisca, que ficou no Mato Grosso. “Sempre fomos eu e ela, eu sempre fui muito apoiado”, ressalta. Quando as ofertas de ajuda começaram a surgir, mãe e filho hesitaram, mas Lillian apresentou uma resposta convincente. “Eles me questionavam: porque você está ajudando?”, lembra Lillian. “E eu respondia: porque todo mundo precisa de ajuda, em algum momento todos precisamos”.
Agora, é Paulo que sonha em poder ajudar pessoas como ele próprio. "Quem sabe, no futuro, não serei eu auxiliando um calouro de Medicina que passe por dificuldades?", indaga, provando como a solidariedade pode ser uma corrente forte e duradoura.