Glauber foi preso, sofreu homofobia e ameaças, mas experiência virou arte
Estudante de Artes Visuais ficou cinco dias na cadeia, e saiu de lá determinado a se reerguer com sua produção artística
Glauber Portman, de 23 anos, já foi história aqui do Lado B. Em 2015, a pauta foi seu altruísmo ao inspirar vários amigos ao seu redor a expressarem suas artes e talentos. Uma matéria positiva e inspiradora, mostrando um estudante de Artes Visuais da UFMS sorridente e cheio de palavras de incentivo. Hoje, o assunto é menos agradável, porém o sorriso e o otimismo continuam estampandos no rosto.
No início deste ano, Glauber foi preso numa abordagem na rua. A acusação da Polícia Civil, na época, foi tráfico de drogas. "Fui solto em cinco dias, provei que não era verdade", rebate o estudante.
Apesar dos poucos dias enclausurado, a experiência trouxe experiências difíceis de esquecer. Ele conta que, assim que pisou dentro do presídio, ouviu ameaças de morte e xingamentos homofóbicos. "Lembro de ver e ouvir o presídio todo gritando que ia me matar, que eu era bicha", conta, num dos únicos momentos que transparece tristeza durante a entrevista.
Para não sofrer agressões, foi colocado na solitária, junto de outro detento, que aceitou sua presença. "Ele mandou eu ficar quieto ou teria o mesmo destino de outro que estava ali, e apontou a parede, que tinha marcas de sangue" recorda.
O cabelo grande, estilo black power, foi cortado. Ficou no chão do presídio. "Mas eu adorei o visual novo", brinca. "Me afetou bastante perder o cabelo, mas como tudo que me afetou, também me deu coragem".
Mas o que realmente chamou atenção é que, ao invés de se deixar definir pela situação que passou, Glauber decidiu transformar o que vivenciou em arte. Pra deixar pra trás esse episódio de sua vida, criou obras de arte inspiradas na experiência. Uma das peças é um ensaio fotográfico em que aparece vulnerável, nu, e as fotos são colocadas atrás de um emaranhado de arame, como as grades de uma cadeia.
"As duas primeiras semanas [depois da prisão] foram muito difíceis pra mim. Mas eu saí de lá muito com sangue pra produzir como arista. Quando a gente dá de cara com o sistema prisional, que era um espaço que nem era pra eu ocupar, que eu só ocupei por ser negro, eu precisava gritar pro mundo. Aquilo só me deu mais forças pra me expressar", avalia.
Em outra performance artística, que ele apresentou na última edição do sarau que promove, seus joelhos e ombros ficaram machucados, tamanha a intensidade das cenas.
Muita gente virou a cara para o estudante, após a prisão, mas ele diz que os familiares e amigos de verdade continuaram próximos. E o sucesso dos seus eventos continua crescente. O Sarau da Tia, aliás, que acontece no Bar da Tia, próximo da UFMS, é popular entre os estudantes e artistas da cidade. Sempre foi promovido por Glauber e agora na terceira edição, intitulado "Bixa Preta", foi o maior de todos.
"Eu me identifico como 'bicha preta'. São as duas faces que todo mundo julga e que ninguém quer", resume. "Eu quero de longe parecer heterossexual. Quero estar sempre com meu batom, minhas unhas. Dou a cara à tapa", ressalta.
Preconceito - Glauber relata um histórico de agressões. Quando tinha 14 anos, foi espancado por dois homens na frente da escola onde estudava. Entre os socos, ouviu xingamentos homofóbicos. "Bicha, viado", recorda. Ninguém tentou ajudar. Chegou em casa com hematomas, mas não falou a verdade pra sua mãe ou pro seu pai, inventou que brigou com um amigo, por medo de trazer o assunto da sua sexualidade pra dentro de casa.
Outra história que conta com indignação foi quando foi revistado por um segurança dentro de mercado, acusado de furto. "Eu estava no fundo do mercado, na seção de frutas. Falaram que algo foi furtado, e foram no fundo do mercado me revistar. Qual a lógica? Claro que não encontraram nada. Foi humilhante".
Ele cita mais duas agressões, que sofreu em bares, e acredita que o motivo foi racismo e homofobia. Mas não explica muito mais do que isso. Parece não gostar de reviver os acontecimentos.
Mas foi a partir do incidente aos 14 anos que Glauber resolveu assumir sua identidade que ele chama de "bicha preta". Ao invés de tentar esconder a sexualidade, por medo ou receio, ele escolheu se assumir cada vez mais. "É algo muito prematuro sofrer dessas agressões. Eu comecei a exigir de mim uma postura social. Eu sempre fui muito ousado, desde os 13 anos cortava minhas roupas, pra ficarem do jeito que gosto. A gente precisa se defender e exigir de nós uma postura que nos empodere", defende.
Do episódio da prisão, ele deixa claro: "Não é o mais importante sobre mim", repete várias vezes. Não quer ser definido pelo incidente, que prefere deixar pra trás. "Eu sempre promovi eventos culturais e festas LGBT, desde os 18 anos. Sempre fui muito mais que isso. A prisão foi muito difícil, me abalou demais, mas agora vejo que serviu pra me fortalecer", finaliza.
Curta o Lado B no Facebook.