Januário canta hino nacional em terena para preservar língua quase extinta
Hino nacional em terena emociona e demonstra preocupação da comunidade em manter a língua indígena, ameaçada de extinção em MS
“Houve uma época em que os estudantes indígenas eram proibidos de falar o idioma materno em sala de aula. Há relatos de indígenas que tiveram a boca lavada com sabão por professores que exigiam que eles falassem apenas o português. Tempos idos. Mas que ficam na memória dos indígenas mais velhos”.
A declaração forte é de Aronaldo Junior, o índio, com mestrado na área de educação e diretor da Escola Nicolau Horta Barbosa, que fica na aldeia Cachoeirinha de Miranda, a 208 quilômetros de Campo Grande, durante a entrega de livros que serão usados por mais de dois mil alunos indígenas.
Diante das lembranças e cenário descrito no início pelo diretor, o inspetor e músico índigena Januário da Silva, de 39 anos, foi quem emocionou dezenas de crianças e profissionais, cantando o hino nacional traduzido para a língua indígena terena durante a entrega do material.
“Quando eu começo a cantar o hino e vejo minha gente, meu povo que domina a língua terena cantando junto, eu me emociono”, descreve Januário, que mora na aldeia Cachoeirinha.
Músico, ele diz que é um orgulho ter a liberdade de cantar a própria língua e que isso tem peso dentro da comunidade. “Toda vez que o município faz as festividades, eu canto em terena. É importante, eu entendi a importância de cantar em cena quando percebi que minha língua estava acabando”, conta.
Não só para comunidade, o hino nacional em terena é resposta da preocupação da comunidade com a preservação da língua indígena em Mato Grosso do Sul.
Segundo indicadores da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), as línguas indígenas de Mato Grosso do Sul estão todas ameaçadas de extinção, inclusive, o guarani kaiowá, um que tem um número significativo de pessoas.
“E o terena é uma língua que está seriamente ameaçada, pois, os mais velhos falam a língua e os mais jovens compreendem e não falam. E os pequenos estão aprendendo o português como a língua materna”, descreve a professora Denise Silva, presidente do Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi), organização que ajuda mudar a realidade de indígenas na região pantaneira.
Em 2016, um levantamento feito pelo instituto mostrou que apenas 17% das crianças matriculadas na educação infantil em Miranda, chegavam à escola falando a língua terena. “E isso é muito preocupante, porque essa criança está saindo do seio da família para ir para o convívio na sociedade. Ou seja, ela não aprendeu essa língua. Por isso, existe uma preocupação em informar o processor, produzir material didático, de leitura e desenvolver estratégias de política linguística para que a língua indígena comece a ocupar outros espaços”.
Colaborou o jornalista Anderson Benites Carneiro.