Lauro passou 6 anos atravessando facas para realizar um sonho
Com o dinheiro que ganhou durante os anos como artista de rua, ele comprou moto e até montou oficina própria
Desde criança, Lauro de Souza Coelho sempre foi apaixonado por bicicletas. Quando crescesse, dizia a si mesmo que seria dono de uma oficina de bikes. O futuro bem que reservou isso à ele, mas antes disso, porém, precisou passar por uma outra atividade até chegar lá: a de artista de rua. Durante 6 anos de sua vida, atravessou aros repletos de facas, fez acrobacias e truques de mágica. Entreteu os mais diferentes públicos, viajando pelo Brasil e vivendo uma aventura nômade.
Ele tinha 18 anos, conta. "Eu não estava contente com a vida que eu levava. Morava no mesmo lugar, fazia as mesmas coisas. Tinha o sonho de ter minha própria oficina, mas até então não tinha a maturidade, a experiência nem o valor necessário para formar um negócio próprio. Era jovem, queria viajar, conhecer pessoas, fazer aventuras. Foi quando eu conheci Mestre Mato Grosso", relembra. O ano era 2002.
O Lado B já contou a história de um dos capoeiristas mais antigos da Capital. Lauro, que nasceu e foi criado em Dourados, veio parar em Campo Grande em 1999 com parte da família para ver se era isso mesmo que queria. Não era.
"Eu trabalhava em uma oficina mecânica perto do Centro e, na hora do almoço, sempre assistia os shows dos artistas de rua que performavam na Praça Ary Coelho. Era incrível! De alguma forma me inspirava, e crescia em mim a vontade de fazer aquilo também", revela.
Em uma ocasião, Lauro se apresentou ao Mestre Mato Grosso que o convidou para fazer aulas de capoeira à noite em sua academia na antiga rodoviária. Porém, o douradense nunca escondeu o desejo do que realmente queria: virar um artista de rua.
E assim foi. No início, aprendia com a ajuda do capoeirista as artimanhas de se apresentar ao público campo-grandense. Na sequência, já estava nas ruas. Abandonou o emprego na oficina e, em 2004, fez sua primeira viagem ao lado do Mestre.
"Fomos juntos para o interior do estado, Rio Brilhante, Itaporã, Dourados. Tínhamos o costume de ficar em pensionatos com o dinheiro que ganhávamos nas apresentações. Dava sim para sobreviver, comer e ainda viajar para o próximo destino", diz.
Enquanto artista de rua, a "especialidade" de Lauro era atravessar um aro circular lotado de facas, todas elas apontadas para o centro. Na primeira vez que fez a peripécia, errou feio.
"Eu já estava treinando com Mato Grosso. Não era fácil, me ralei e me cortei bastante. Porém, na vez que fui me apresentar de verdade, passei o chapéu ao público e eles se animaram. Houve uma pressão para que eu também pulasse. Quando fui atravessar, foi faca para tudo que é lado. O público levou um susto, e eu também. Mas estava são e salvo. Peguei todas elas espalhadas pelo chão, montei novamente e fiz um gesto de coragem: pulei de novo. Na segunda vez, sim, fui aplaudido e o resultado valeu a pena", conta.
Lauro não ficou muito tempo com Mestre Mato Grosso pois até então ele que era um jovem de 22 anos queria desbravar mais a vida. Por isso, começou a fazer viagens sozinho. "Fui para Manaus, ficando 1 mês por lá. Em seguida fui descendo e passando pelo Pará, Tocantins, Goiás, até voltar para MS. Eram mais ou menos 3 meses viajando e 1 mês de volta para Campo Grande ou Dourados". No total, ele conheceu 16 estados brasileiro e se apresentou em tantas cidades que nem mais se lembra.
Mas uma delas não se esquece. "Foi em Rio Verde de Goiás a vez mais gostosa. Público carismático, todo mundo se divertindo e eu até apareci na televisão local. Fui muito aquela vez que passei por lá", recorda.
Entretanto, nem sempre tudo eram flores. "Tinha muita dificuldade pelo caminho também. Já fiquei 3 dias no meio do mato, passei por estrada de chão, além dos lugares em que não fui bem recebido e não consegui ganhar dinheiro. Fui chamado de tudo que era coisa, 'vagabundo' era de praxe. Até já jogaram balde d'água em mim. Tinha que ter muita resiliência", explica.
Nesse meio tempo, Lauro teve um caso e acabou tendo um filho aqui em MS. Mesmo com as adversidades, ele garante que foi se mantendo artista de rua que juntou dinheiro necessário para cumprir as responsabilidades de pai e ainda comprar uma moto, pagar contas e até já pôr em prática os planos que vieram em seguida.
"Já vinha ficando cansado das viagens, de estar e fazer tudo sozinho. Amava muito ser artista de rua, mas sabia que não seria pro resto da vida. Ainda tinha a vontade de voltar à minha paixão anterior, a das bicicletas. Quando voltei de Rondônia, minha última aventura, simplesmente fiquei direito e nunca mais me apresentei", afirma.
Em Campo Grande, Lauro se estabeleceu novamente e arrumou um emprego em oficina mecânica perto do Terminal Bandeirantes. O ano era 2008. "Mas não estava mais acostumado a ser funcionário de alguém já que por 6 anos eu fui empregado de mim mesmo. Nem fiquei lá por 6 meses", ressalta.
Com um dinheiro ali e acolá, principalmente o que ele havia guardado na poupança do pai – até então Lauro nunca teve conta de banco – nos tempos de artista de rua, ele conseguiu comprar as máquinas necessárias e ferramentas para consertar e reformar bicicletas e rodas de motos. E essa história já dura há pelo menos 12 anos.
"Eu me sinto realizado tanto com a vida que eu tive quanto a vida que tenho agora. Pude conhecer o Brasil, viajar, descobrir pessoas e culturas. Me divertir. Mas também pude voltar para minhas raízes, praticar o meu sonho, formar família. Hoje levo uma vida simples e satisfeita. Lembro dos meus anos de artista de rua com nostalgia, apenas saudade", finaliza.
Lauro é casado, tem 1 filha pequena e há 8 anos continua com a mesma oficina na rua Jaime Cerveira, 1680, no Parque Iguatemi (nas proximidades do Nova Lima).
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