Mães da favela foram inspiração para alunos escreverem poesia em aula
Alunos da escola Lúcia Martins Coelho usaram matéria do Lado B para escreverem poesias sobre o protagonismo e a força da mulher
Dentro do universo acadêmico, um espaço natural para o debate, sempre refletimos sobre o papel social do jornalismo e o impacto dessa prática na vida das pessoas. Chega a fase em que vamos para o mercado de trabalho e tudo isso é atropelado por uma rotina pesada agravada pela lógica da produtividade, da necessidade de ter a matéria, de publicar no horário, de fechar um caderno de pauta, enfim, o mundo real cai sobre sua cabeça.
Porém, há momentos de respiro, que nos reconectam com esse debate, que nos fazem lembrar até aonde podemos chegar com nosso ofício. Essa matéria é, com certeza um desses momentos.
No dia 26 de maio o Lado B publicou uma reportagem sobre os desafios das mães solteiras numa favela de Campo Grande. Com o título “Na favela, mães solteiras trabalham em casa, e não é home office”, a matéria traz uma série de relatos sobre as dificuldades que essas mães passam por conta do isolamento.
O professor de sociologia da Escola Estadual Lúcia Martins Coelho, Pedro Rabello, usou a reportagem como inspiração para um trabalho em uma disciplina eletiva que estava ministrando. Os alunos, na faixa etária de 15 a 17 anos, foram desafiados a escreverem poesias sobre as histórias que contamos. O resultado foi uma série de poesias sensíveis que lembram, mais uma vez, o lugar dessas mulheres no mundo.
“Como muitas poesias dos slams pelo Brasil e do mundo tratam de temas sociais, procurei notícias com esse enfoque e acabei me deparando com a reportagem, além de se encaixar no que eu procurava, já tinha uma escrita bem poética. Alguns nunca tinham escrito um poema na vida, outros já eram mais experientes. De qualquer forma, acho que todos e todas procuraram escrever um retrato bem sensível destas mães da Favela da Mata, homenageando-as através de suas palavras e colocando-as em um lugar de força e protagonismo que o mundo ainda as nega”, explicou Pedro.
Confira todas os poemas na íntegra. O nome do autor está no início de cara texto. As imagens, do repórter fotográfico Marcos Maluf, foram tiradas durante a confecção da matéria, em maio. A métrica dos textos também foi alterada por conta da diagramação de nosso site.
Ana Caroline dos Santos Pereira
"Rosana dos Santos Neves, de 36 anos cuida de quadro filhos sozinha. Foi dispensada do trabalho. A pandemia trouxe o isolamento e é difícil sair de casa. Como deixarei os meus filhos sozinhos? Não tem como deixar os meus filhos em nenhum lugar".
Nicolas Nunes Gonçalves Stadler
"A mulher que trabalha E reza Dia e noite Noite e dia Pedindo a Deus Por favor Cuida da minha família! As marcas das injustiças Carregando no peito Implorando à virgem Maria Escuta minha oração! A sua sentença dada Mesmo sem poder se defender. Trabalha Esperando um pouco de valor Ninguém sabe a sua dor Da história a ser contada E mesmo assim é ignorada Arrastada para o fundo do poço Só pela sua melanina A sentença já foi dada. Sua chance? Nenhuma na vida! A mãe da favela Ensina teu filho a correr Já que o alvo carrega no peito E a polícia não tem dó De ninguém. Mulher brasileira A favela chora A pátria amada implora E a mãe da favela ora Que um dia seus filhos amados hão de voltar E sua história vão contar. Nunca permita se calar!"
Carlos Henrique Carmo de Hungria
"Nas favelas, mães solteiras trabalham suado Enquanto isso, conta dinheiro o empresário No Brasil é assim: Muito para poucos, e pouco para muitos"
Isa Béli Soares de Arruda
"Rosana dos Santos Neves cuida de quatro filhos sozinha. Não é uma opção onde não há trabalho. Quer dizer, existe o trabalho, e ele é feito em casa. Favela da Mata, local mais isolado da região. Escorada no carro que precisa ser devolvido à garagem tomando um café ao sol. Quem tem Deus nunca está sozinho, meu filho. Estou acostumada a ficar só eu e Deus até prefiro. Medo a gente até tem, mas fica mais em casa mesmo e, como disse, Deus não passa essa doença aí, só cura"
João Guilherme Pimpinatti
"Na favela mães solteiras trabalham em casa Na favela mães solteiras lutam Na favela mães estão lutando para sobreviver Na favela a doença espalha rápido Mas quem tem Deus é curado Mães que se sustentam com migalhas Por causa de algo maior, Ricos, não sabem que esse lugar existe e os que sabem não se importam Na favela mães solteiras sobrevivem e vivem com sua crença De que tudo vai ficar melhor."
Julia Maria Facirolli Oliveira
"Na Favela Da Mata Local isolado onde há mágoa Mães solteiras desempregadas Agora são obrigadas a ficarem em casa Mães guerreiras, que tomam conta de si E de seus filhos por conta da pandemia Isso será uma grande memória histórica Envolvendo mulheres fortes lutando contra paredes frágeis"
Jullya Alves Rangel
"a pandemia não escolhe quem vai ser executado o meu chefe escolheu quem ia ficar desempregado as crianças lá do morro não queriam passar fome, mãe ta lá desempregada e o pai nem foi sujeito homem de registrar essa criança no papel, quem vê de longe a favela acha que lá só tem réu home office na favela da mata não existe, quem ta desempregado na favela nem sente que vive. na verdade sente o fardo, as dores, os calos,sente o frio, sente fome, é um lugar isolado. uma construtora faliu, deixando um terreno pra trás .
lá se alojaram algumas mães solteiras. agora têm casa, o serviço, não mais. ficar em casa, desempregada, cuidando dos filhos, com medo do vírus. a gente reclamando da sorte, porra, essas mulheres são fortes. na notícia que eu li, tinha uma mulher chamada rosana, 36 anos, 4 filhos. se sair de casa a família desanda. carro parcelado, volta pra garagem, porque a parcela ta atrasada, filho de patrão ta viajando agora pra ir maratonar com a namorada. gente sem noção, parece adolescente na puberdade, faz errado, reclama, não volta atrás, "tenho liberdade". maria, 45 anos, mais 3 filhos, sem dinheiro no banco. no banco de reserva, tá lá sentada, na favela da mata: advinha? também tá desempregada.
governo ajuda com 600 reais, desde quando 600 reais é auxilio se de imposto cê paga bem mais? sai pro mercado no sol, com uma sombrinha lilás, comprou comida e ração pros animais, o dinheiro do "auxílio", ué, não tem mais. agora é a vez da angelize 47 anos, vendeu sua motinha, pra morar numa casa debaixo de uns panos. tentando fazer bico, tentando não passar fome. acho que deveriam dizer, nem só de pão vive o homem. a pandemia chegou bem depois do desemprego, tem 6 meses que ela foi demitida do ultimo emprego. disse mais: "Eu vou ser sincera pra você, isso aí que tá acontecendo não muda nada pra mim, não pra gente que já tá sofrendo''. a fé em deus pra alguns é o único conforto, pra quem já vive há tanto tempo nesse país do desgosto.
vez da Paloma de 25 anos, outra mãe solteira, 2 filhos, e tem mais outro esperando. ela tem 25 anos mano, tá lá há dois anos, largou os estudos, agora já nem sonha tanto… se a gente que estuda tem dificuldade, imagina não estudar, ter filho e passar necessidade. mas fica tranquila Paloma, isso não é desonesto, enquanto vocês sofrem a gente vai fazer protesto. a matéria disse algo, sobre pais. emanuel (o embrião) tem um, que tá trabalhando enquanto ela se cuida e os cuida, mas pra ela ninguém bate palma, pra ela ninguém oferece ajuda. oh pátria amada e mal amada por seus filhos infiéis, que seguem órfãos da nação que jurou lavar os seus pés. se é brasil acima de tudo e deus acima de todos, o brasil tá com problemas porque não faz esforços pelo seu povo."
Maria Eduarda Rodrigues Paim
"Estamos falando sobre elas Mães solteiras que trabalham na favela Trabalha pra manter sua casa A pobre injustiçada! Seja branca ou seja negra É o trabalho da brasileira... São mulheres guerreiras Que apesar das dificuldades Sustentam a sua casa Não é home office pois a luta aqui é triste São mães trabalhadoras Que andam pela casa com suas vassouras!"
Thiago Nogueira Ribeiro
"De consciência limpa, o mundo dela não se abalou. Sua esperança é a fé. Seus filhos ela não abandonou. Confiança em Deus de que nesse vírus ela se manterá de pé, mas mesmo com a pandemia, nada mudou. Sozinha, criando um príncipe e uma princesa educando-os em meio a pobreza. Pobreza material, riqueza mental. Lutando contra uma lágrima que foge, a mãe ensina seus filhos a ter força na ausência de um pai que ignora sua prole. Na vida elas lutam contra um presente barracento, para que no futuro seu filhos não morram sem alimento"
Yasmin Cesario Alegre Soares
"Uma pessoa trabalhadora Que vê seu emprego acabar Por causa de um vírus Que veio para nos alertar De forma inesperada Com filhos pequenos a cuidar. Nesse Brasil que vivemos Vivemos a clamar, Por mais empregos E oportunidades a gerar. Filhos da Pátria Amada Salve Salve! Um grito de socorro. Nos tempos de hoje, temos que confessar A dificuldade vem, Mas temos que orar Orar para aqueles que nos protege Para tudo se acabar Acabar em algo bom, Para nos salvar".