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Comportamento

Mulherada aparece como vilã em campanha contra assédio

Em ilustrações divulgadas pela universidade, quem costuma ser a vítima foi desenhado como agressor

Aletheya Alves | 29/03/2023 07:42
Ilustração sobre assédio sexual insere uma mulher como a praticante do delito. (Foto: Reprodução)
Ilustração sobre assédio sexual insere uma mulher como a praticante do delito. (Foto: Reprodução)

Neste mês, a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) publicou sua campanha de políticas de prevenção e enfrentamento ao assédio sexual e moral. O problema é que apenas batendo o olho nas ilustrações é possível ver que quem costuma ser vítima se tornou agressor na divulgação da universidade.

Ao todo, três cards foram produzidos envolvendo assédio moral, assédio sexual e discriminação. Enquanto os textos que acompanham os desenhos fazem sentido, as ilustrações assustam por inserir mulheres e pessoas negras, que aparecem em estudos como vítimas, se tornando opressoras.

Na ilustração sobre assédio sexual, quem aparece como a autora do delito é uma mulher. Não sendo o bastante, ela puxa um homem pela gravata no ambiente de trabalho enquanto se senta em cima de uma mesa.

Em outro card, este sobre assédio moral, um homem negro é apontado como o chefe abusivo enquanto uma mulher branca aparece triste. Por último, com o tema da homofobia, uma mulher negra e gorda aparece com uma placa contra o tema.

Homem negro é ilustrado como o chefe abusivo no material da UFMS. (Foto: Reprodução)
Homem negro é ilustrado como o chefe abusivo no material da UFMS. (Foto: Reprodução)

A partir de uma nota questionando a campanha, a Adufms defende que todas as imagens vão contra os dados e estudos. Começando pelo assédio sexual, o texto informa que essa violência é marcada pela relação de base patriarcal, ou seja, por homens.

“De acordo com levantamento do serviço de recursos humanos Mindsight, realizado em 2021, mulheres sofrem três vezes mais assédio sexual no trabalho do que homens, embora 97% das vítimas não denunciem. Das 11 mil pessoas consultadas em todo o Brasil, 76% relataram que foram assediadas por homens”, pontua a nota.

Sobre o assédio moral, uma das questões é que homens negros dificilmente chegam aos cargos de poder. Até por isso, a associação explica que nesse cenário, quem está na chefia são homens brancos em sua maioria.

Por último, o card sobre homofobia insere uma mulher negra na posição de agressora. Novamente, a associação pontua que é uma distorção da realidade, uma vez que, majoritariamente, são homens e mulheres brancas que aparecem na realidade.

Após a universidade ser contestada pela comunidade acadêmica, a divulgação foi retirada, mas até o momento não houve um pronunciamento público sobre o tema.

Mulher negra aparece como quem pratica discriminação no desenho. (Foto: Reprodução)
Mulher negra aparece como quem pratica discriminação no desenho. (Foto: Reprodução)

Professora da UFMS e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da universidade, Eugênia Portela foi uma das docentes que se posicionou contra a campanha. Perplexa, ela detalha que um dos grandes pontos foi justamente o material ter sido produzido institucionalmente e ser liberado para a publicação.

“Sai uma campanha no site da instituição pela secretaria de comunicação com imagens completamente estereotipadas e retratando de forma inversa preconceitos, gordofobia, homofobia, assédio sexual, assédio moral, distorcendo o que acontece na sociedade”, diz Eugênia.

Explicando as imagens, ela pontua que, via de regra e partindo das estatísticas, quem ocupa os espaços de poder e que pratica os atos de assédio são pessoas brancas e, geralmente, homens. A professora comenta que o inverso pode acontecer, mas é exceção.

Presidente da Adufms (Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Marco Aurelio Stefanes comenta que foi um susto ver a campanha divulgada. “Vários professores nos procuraram indignados com a postura da universidade em relação a um tema tão delicado. Para a nossa surpresa, a UFMS fez um material que faz o contrário do que a gente imagina que uma ação desse tipo vai fazer”.

Explicando sobre a problemática do conteúdo ilustrado, Stefanes relata que há uma inversão nas imagens durante as discussões propostas. “Todas as imagens colocam aquele que é prejudicado em uma inversão de papéis. São vários grupos na universidade que pesquisam esses temas e a universidade deveria ao menos se retratar porque faz esse processo reverso”, diz.

Outro ponto destacado pelo presidente da associação é a reincidência de erros em campanhas institucionais. De acordo com o professor, em outra campanha sobre respeito aos servidores, a universidade publicou conteúdos sobre, mas ilustrou com um servidor deitado em uma rede mandando mensagem em horário de trabalho.

Mais próximo do que ocorreu neste ano, a Adufms também indicou que, em 2019, uma campanha da instituição ilustrou uma mulher negra tocando os ombros de um homem branco que demonstra estar incomodado.

Após a discussão entre os professores, Stefanes explica que o entendimento foi de que a UFMS não deveria apenas remover a campanha da Internet. A sugestão da associação foi de que houvesse um esclarecimento sobre a situação com uma retratação.

Por isso, nesta terça-feira (28), docentes entregaram um manifesto solicitando a retratação, além de ações que previnam a universidade de repetir os erros. Uma das solicitações foi a criação de um núcleo para acompanhar essas ações da universidade, políticas afirmativas e de coibição e combate ao racismo, violência de gênero e assédio.

Além de conversar com os professores, o Campo Grande News solicitou uma nota retorno à UFMS em relação aos pontos indicados pela Adufms sobre a campanha. Até o momento não houve resposta.

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