Na adoção, "bolsa estoura" quando pais recebem ligação do Fórum
Depois de anos tentando engravidar, quando casal sentiu que adoção não seria um "plano B" e sim uma escolha, Raul chegou
Um quarto pronto à espera de Raul ou Elis. A gravidez de Elaine Ravaglia e Augusto Josetti durou 18 meses, o dobro do tempo. A "barriga" não cresceu conforme as semanas, mas sim seguindo as etapas do processo de adoção: curso de preparação, papelada e estudo psicossocial.
Depois de 14 anos juntos, e várias tentativas e tratamentos para engravidar, o casal teve o veredito de um médico especialista em fertilidade em São Paulo. Havia acabado. Além de Augusto, Elaine também tinha problemas e não poderia engravidar.
"A gente sempre falava em adotar, mas imaginava que ia fazer isso depois, mais pra frente. Já tínhamos esse plano, mas era para depois", conta a arquiteta de 35 anos.
"Final de 2017, o último bam bam bam da fertilidade em São Paulo decretou o fim da possibilidade de gestar. Voltei, e a gente ficou uns 15 dias na bad...", recorda.
Um dia, sentados no sofá de casa, Augusto falou: 'Vamos ter um filho?' E ouviu de Elaine: 'vamos'. Ninguém precisou falar mais nada. Os dois já sabiam que se tornariam pais pela adoção. "Aí ele já ligou no Fórum para saber como era, porque a gente não tinha ideia de como funcionava. Fizemos a inscrição para o curso de preparação para adoção que foi em março e abril e entramos com a papelada em julho. Nossa habilitação saiu em agosto do ano seguinte", relata.
Foi 1 ano e 1 semana até estarem habilitados, e outros cinco meses na fila. "Quanto tempo de gestação? Tudo, desde quando demos a entrada no processo, foram quase 18 meses", responde o casal.
Depois de entregue a documentação, o casal se preparou para as visitas psicossociais, o que incluiu a mudança de casa para um espaço maior e tão sonhado quartinho. Por trabalhar com arquitetura e interiores, e por desejar muito preparar a última etapa para receber o bebê, Elaine fez vários projetos, testou maquetes eletrônicas e layouts.
"Foi uma coisa que eu fui construindo devagar, com a especificidade de ser neutro. Criei uma base neutra para quando chegasse o bebê, se fosse Elis ou Raul, salpicar umas coisas rosas ou verdes", lembra.
A escolha dos nomes envolve histórias particulares dos dois. Augusto é "Raulseixista", e sempre disse que queria ter um filho Raul. "E eu desde moça achava lindo porque ao contrário se chamava Luar, poético", descreve a arquiteta. E Elis foi um sopro que Elaine ouviu durante uma viagem que fez ao Rio de Janeiro. "Eu ouvi muito claro no meu ouvido: 'É Elis'. Pronto, é Elis, e ficou".
Quando o telefone toca - Depois de passado todo o processo, quando o casal finalmente está habilitado é incluído no Cadastro Nacional da Adoção. "Aí, minha filha, é qualquer momento. Quando o telefone toca, a gente brinca que a bolsa estourou e está indo para a maternidade".
A ligação, no caso, aconteceu para Augusto. Do outro lado da linha era o Núcleo de Adoção que pediu para que dados fossem confirmados. "Primeiro eles confirmam se você se lembrava qual era o perfil, e se a gente poderia ir lá conversar, porque havia uma criança do nosso perfil".
O casal ficou feliz, mas não tão surpreso, isso porque já vinham sentindo que Raul ou Elis estavam para chegar. Respeitando as orientações dadas pelos profissionais do núcleo, o casal ouviu o próprio coração na hora de avaliar como seria a adoção. "Cada um sabe de si, da sua família, dos seus desejos e sonhos. A gente queria um bebê", explica a mãe.
Os profissionais que coordenam o processo reforçam que os pais precisam ser fieis aos próprios desejos no momento de preencher o perfil. Não adianta ser abrangente se o casal sonha com um determinado tipo de perfil. "O que hoje é pequeno, vira um tsunami amanhã. Inclusive é este o termo que a psicóloga uma vez usou. Hoje está tudo bem com aquela criança, mas lá na frente aquilo pode deixar resquícios de rejeição, falta de vínculo", pontua.
O casal estava à espera de um bebê. No entanto, só saberiam se era menino ou menina depois de ir até o Fórum. "Você vai até o núcleo de adoção conhecer a história, e uma vez que você fala ok, sai de lá com dois documentos", fala Elaine. Um deles é a autorização para ir até onde a criança está, e o outro é para ser preenchido posteriormente ao encontro de pai e filho. "Se for seu filho, preencha e traga os papéis aqui", recorda da orientação dada.
Este documento é o que é usado para dar entrada no pedido de guarda pré-adotiva, que depois de lido pela juíza e assinado, dá a liberdade dos pais levarem o bebê para casa.
"Quando o telefone tocou a gente ficou muito feliz e com uma certeza no coração. Ele chegou..." No Fórum eles viram também a foto do filho e puderam ir até a maternidade conhecer o bebê. Somente no dia seguinte, depois de toda papelada pronta e assinada, o menino Raul foi para casa com os pais.
"Quando ele chegou a gente só precisou comprar fralda e leite. A gente já tinha tudo, enxoval. Estava tudo pronto, fralda limpa, manta limpa, toalha limpa, só esperando o telefone tocar", lembram os pais.
Eles já tinham visto uma foto do bebê e se apaixonado ainda no Fórum. Aliás, é na saída da Vara da Infância um dos registros mais emocionantes. O da autorização dada pela Justiça para que Augusto e Elaine levassem o filho para casa.
Na maternidade, o bebê estava em uma salinha. "Aí foi só alegria. Confirmou o que a gente estava sentindo no coração"...
As cenas das próximas horas incluem ligação para poucos familiares, o choro de despedida das enfermeiras quando o bebê saiu da maternidade junto com as instruções dadas pela pediatra. Raul agora tinha um berço só seu, um quarto só seu e pais que, por enquanto, são só dele.
Sempre muito mãezona, Elaine conta que a ficha caiu mesmo nos primeiros dias, quando as dificuldades de um recém-nascido trouxeram a maternidade à tona. "Quando você vê a barriga crescendo, você já está sabendo que está chegando aquele momento. Nós, por mais que estivéssemos querendo e nos preparando, aconteceu. Chegou, pronto".
Quem é mãe sabe das primeiras noites mal dormidas, da cólica, do choro que às vezes nem colo é capaz de consolar... "Eu saí naquela tarde igual zumbi para comprar colic calm, a gente estava cansado quando ele, enfim, dormiu. Eu tomei aquele banho e saí empoderada e falei para o Augusto: 'a gente vai dar conta, ele é nosso filho'. E eu me senti uma leoa. Foi a primeira vez que me toquei, essa coisa de mãe vai sendo construída".
Hoje Raul devolve sorrisos, já brinca, dorme a noite inteira e não tem mais cólica.
Elaine e Augusto hesitaram em dar entrevista pela exposição, e por acreditarem que esta é só uma história "muito simples de um casal que queria filhos. Não é caridade, a gente queria um filho. A adoção foi uma via, é só isso".
Raul chegou depois que o casal encarou a adoção como escolha e não um "plano B". "A gente não queria partir para adoção como se fosse um plano B, se não eu não me sentiria digna de adotar. A gente esperou amadurecer dentro do nosso coração, vivemos o luto da não gestação. Não foi uma via de consolo, a gente escolheu ter um filho, e nessa hora a gente se sentiu pronto e digno de entrar para este universo".
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