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Comportamento

No campo, sorriso de aluno se abre quando vê caderno de atividade

Pandemia interrompeu aula presencial, mas esperança chega em folhas de tarefas para estudantes que não têm acesso à internet

Alana Portela | 04/06/2020 06:35
Os dois alunos Wesley Matheus Oliveira Galvão e Wendel Gabriel Oliveira Galvão da Extensão Profª Onira Santos Rosa recebendo o caderno de atividades em casa. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)
Os dois alunos Wesley Matheus Oliveira Galvão e Wendel Gabriel Oliveira Galvão da Extensão Profª Onira Santos Rosa recebendo o caderno de atividades em casa. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)

Na singela vida do campo, o sorriso dos alunos se abre quando chega o caderno de atividades entregue pelo professor. Sem acesso à internet, os estudantes da Escola Municipal 8 de Dezembro, que fica a 120 quilômetros de Campo Grande, também estão isolados. A rotina pacata faz até o olho brilhar quando, de longe, observa alguém chegar com folhas de tarefas nas mãos, mostrando que se importa com sua educação.

“Apesar da distância, é uma forma de mostrar que a gente não esquece deles. O aluno que nos vê fica ansioso para ter as atividades, pergunta sobre as aulas presenciais, mas entende que estamos passando por um momento delicado. Querem aprender, ter uma ocupação e demonstra felicidade ao ver o professor ali, na casa”, diz Alcemir Martins Corrêa.

O aluno João Victor Bezerra Campos respondendo o caderno de atividades da escola. (Foto: Arquivo pessoal)
O aluno João Victor Bezerra Campos respondendo o caderno de atividades da escola. (Foto: Arquivo pessoal)

Ele é coordenador da escola 8 de Dezembro, que tem mais duas extensões. Uma delas é a Professora Onira Santos Rosa localizada a 170 quilômetros de Campo Grande e a outra é a Extensão Fazenda Santa Maria que fica a 190 quilômetros da Capital. As três unidades de ensino atuam com Educação do Campo e atendem 107 fazendas e 26 lotes do assentamento Três Corações.

Aos 41 anos, Alcemir comenta como é a vida de quem mora no campo. “É a melhor coisa, primeiro porque temos uma percepção diferente sobre as pessoas que vivem aqui, é um olhar crítico e também sentimental. A gente se envolve e passa a participar da vida delas”.

O cenário transforma a relação, e Alcemir deixa de ser apenas o professor para se tornar alguém da família. A humildade da vida do campo, misturada com a falta de informação e até oportunidade, fazem os professores serem vistos como uma luz no fim do túnel.

A professora Ana Cecília entregando atividade para a aluna Eduarda Rezende da Silva e sua família numa fazenda que fica na região da Escola Municipal Oito de Dezembro (Foto: Alcemir Martins Corrêa)
A professora Ana Cecília entregando atividade para a aluna Eduarda Rezende da Silva e sua família numa fazenda que fica na região da Escola Municipal Oito de Dezembro (Foto: Alcemir Martins Corrêa)

“Confiam tanto na gente que pedem favores para quando formos à cidade. A gente cria um afeto, pois essas pessoas têm sabedoria popular, mas são carentes e precisam de atenção. Passamos a ter mais contato e nos tornamos a referência. É uma ligação de amizade, que facilita no aprendizado e os alunos passam a gostar da escola”, afirma Alcemir.

Contudo, desde que a epidemia se espalhou em Mato Grosso do Sul e Campo Grande decretou a suspensão das aulas, os 240 alunos das três unidades também tiveram de se isolar. Por lá, a notícia também pegou todos de surpresa e nem deu tempo de explicar em sala o que estava acontecendo.

“Foi um choque a princípio, pois nunca tinha acontecido. Todos ficaram na expectativa da retomada das aulas assim que parasse tudo, mas os casos de coronavírus aumentaram e surgiram novos decretos de suspensão. Nos deparamos com outra realidade”, diz Alcemir.

Os peões na frente do carro, levando o gado na estrada antes. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)
Os peões na frente do carro, levando o gado na estrada antes. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)

As escolas contam com alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental, na faixa etária dos 6 aos 17. São crianças e adolescentes que deixaram de frequentar a escola para se proteger do vírus. A mudança chega a ser meio brusca e faz esses estudantes sentirem falta de estarem na sala, conversando com o professor e revendo os amigos.

Sem aula, os alunos ficam apenas na lida da roça, esperando o tempo passar enquanto ajudam os pais e brincam na terra. A natureza vira o ponto de refúgio para se distrair em meio ao silêncio da mata e sorte mesmo tem àqueles que podem visitar os vizinhos, para brincar com outras crianças.

Enquanto o pai trabalha no campo, a mãe cuida da casa para que os filhos fiquem mais à vontade. Cerca de duas semanas após o início do isolamento, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) elaborou um caderno de atividades para entregar aos alunos.

O diretor escolar, Marcio José Martins Ferreira no meio dos alunos João Gabriel da Rosa Barbosa e Keirrisson Eduardo Gonçalves que estão segurando o caderno de atividades, na Fazenda Duas Lagoas. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)
O diretor escolar, Marcio José Martins Ferreira no meio dos alunos João Gabriel da Rosa Barbosa e Keirrisson Eduardo Gonçalves que estão segurando o caderno de atividades, na Fazenda Duas Lagoas. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)

“Temos 17 professores, dois coordenadores, um diretor e mais dez funcionários. Fizemos uma força tarefa e dividimos as regiões para levarmos o material, pois, a maioria das famílias tem dificuldade com meio de transporte. Existem fazendas até 100 quilômetros da escola, mas conseguimos entregar tudo em dois, três dias”, relata Marcio José Martins Ferreira.

Aos 50 anos, ele é o diretor das unidades de ensino e comenta que encarar a estrada era o mínimo para proporcionar aprendizado aos alunos. “O caderno possibilita eles estudarem, é uma satisfação”, diz.

Atividades nas mãos de quatro irmãos Iuri, Iago, Maria Aparecida e Gisele Rossatti Ifrano que vivem num lote do Assentamento Três Corações. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)
Atividades nas mãos de quatro irmãos Iuri, Iago, Maria Aparecida e Gisele Rossatti Ifrano que vivem num lote do Assentamento Três Corações. (Foto: Alcemir Martins Corrêa)

A primeira vez que os alunos tiveram contato com os professores durante o isolamento, foi divertida. Isso porque, com os olhos atentos, eles conseguem perceber quem se aproxima e ao reconhecer o professor, sentem que não foram esquecidos.

“Percebemos a alegria deles, ficam contentes ao receber os cadernos. Notamos que a maioria quer realizar atividades, isso que nos move”, afirma Marcio.

Durante as entregas, os professores até fizeram fotos para registrar o momento e matar um pouquinho da saudade dos alunos. Muitas das imagens revelam a emoção por trás de cada um. Cerca de 40 dias após a primeira entrega, os educadores elaboraram o segundo caderno de atividades e levaram até os estudantes.

“Pegamos o primeiro e deixamos o outro. As atividades servem como exercícios de avaliação e serão corrigidas pelos professores”, finaliza Marcio. Se o isolamento continuar, os educadores devem preparar um terceiro caderno de atividades para que os estudantes não sejam prejudicados.

Quem quiser acompanhar um pouquinho da jornada dos professores e dos alunos, apesar das tarefas serem "off-line", a escola tem uma página no Facebook: Escola Municipal 8 de Dezembro.

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Os alunos de chapéu e sanfoninha na mãos e as alunas de vestidos perto da professora, durante a quadrilha do ano passado.(Foto: Alcemir Martins Corrêa)
Os alunos de chapéu e sanfoninha na mãos e as alunas de vestidos perto da professora, durante a quadrilha do ano passado.(Foto: Alcemir Martins Corrêa)



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