No interior, biblioteca em triciclo vira homenagem à Marielle Franco
Alrmir adaptou um triciclo para levar livros de casa em casa e emprestá-los aos habitantes de Amambai, no sul do Estado
A última sexta-feira (19) foi um dia transformador na vida de Almir Farias da Cunha, de 54 anos. Morador da pequena Amambai, no extremo sul do Estado, o servidor público municipal fez da visita a uma bicicletaria, uma forma de ajudar o próximo.
Bem no cantinho da bicicletaria, um triciclo usado cheio de poeira fez reacender nele uma vontade que nasceu em 2019, a de usar um veículo como aquele para distribuir livros pela cidade. A ideia inicial não era bem essa, como ele explica.
“No ano passado, 2019, eu vi uma reportagem, sobre uma menininha, de apenas 12 anos de idade, moradora do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, que criou uma biblioteca no barraco onde morava com a sua mãe. O espaço era pequeno, mas, ela foi contagiando a mãe e os vizinhos que logo entraram de cabeça no projeto dela. Então, eu pensei que se uma garotinha de 12 anos conseguiu criar uma biblioteca, eu também posso", conta.
Percebendo que seria inviável financeiramente montar uma biblioteca nos moldes tradicionais, cogitou a ideia de fazê-la itinerante. Porém, mesmo essa ideia mais simples não custava pouco.
“Logo eu pensei em comprar um triciclo, adaptá-lo com uma carroceria pequena e enchê-lo de livros, mas pesquisava os preços e eram todos muitos caros, não tinha nenhum por menos de R$ 1.000”.
Eis que nessa sexta-feira citada anteriormente a sorte sorriu para Almir. O dono da loja de bicicletas estava pedindo R$ 400 pelo triciclo usado. “Eu disse que poderia dar R$ 300, que era o que tinha. Como o triciclo estava parado ali mais de ano, o dono fez esse desconto de R$ 100”.
Dali o veículo de três rodas foi direto para o lava jato para dar uma geral. “Eu então peguei uma dessas caixas de carregar mercadoria no supermercado e encaixei na traseira do triciclo, deu certinho, parece que foi feito para aquilo”.
Em dois dias, sem planejamento prévio, um sonho que amadurecia há um ano, virou realidade. “Eu peguei alguns livros meus pra começar. Coloco na carroceria e empresto pra quem quer ler com um prazo de devolução pré-estabelecido. Minha ideia é passar de casa em casa oferecendo”.
O desafio de conseguir um bom acervo já está sendo superado por conta da solidariedade dos habitantes. Muita gente tem doado livros para Almir poder colocar à disposição dos outros cidadãos.
Politizado, o servidor público quis homenagear Marielle Franco, vereadora negra assassinada durante seu mandato no Rio de Janeiro em 2018. Ele então chama seu triciclo/biblioteca de “Mariteca”.
O crime de Marielle causou, principalmente no Brasil, dado o acirramento político que vivemos há alguns anos, uma série de debates simplificadores, que colocaram o crime como bode expiatório dessa divisão. Perguntamos, então, se ele não tinha receio de ganhar a antipatia de algumas pessoas por conta da escolha.
“Receio nenhum. Hoje o que precisamos é de pessoas que lutem pelo bem comum, assim como Marielle fazia, e assim como estou tentando fazer, por isso acho a homenagem muito justa”.
Andressa Michelson, de 25 anos, também servidora pública e colega de Almir, adorou a ideia e já até pegou um livro emprestado. “Eu já acompanhava essa vontade que ele tinha e fiquei muito feliz que pôde concretizá-la. Acho que é uma iniciativa muito nobre, ainda mais numa cidade do interior como a nossa que, infelizmente, a população não tem tanto acesso a livros ou mesmo o hábito de ler”.
Mas Almir já prevê mudanças. “Vou trocar a coroa, colocar uma menor, está muito pesado pra pedalar na subida”.
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