No luto, o “seja grata” vira vontade de mandar a eternidade pras cucuias
Nem estava prestando atenção na música que tocava, aliás, achei que não estava, pois foi só o sonzinho leve chegar aos ouvidos que uma bolha subiu à garganta e foi sufocando tão rápido e sutilmente que mal consegui perceber. Quando dei por mim já estava expulsando tudo pelos olhos.
Todo sentimento sufocado nos últimos nove meses, tempo de uma gestação, mas que na verdade era o tamanho da saudade trazida pela ausência do meu pai. Num estalo algo acendeu em mim e percebi que na verdade estava tudo apagado. A ficha rolou, não caiu.
Foi como se a melodia infantil do desenho que distraia Maria em frente à tevê desencadeasse meu luto mais profundo. De repente se concretizou em mim: seu pai não existe mais.
Talvez a musiquinha tenha desengavetado alguma memória da infância e o coração sinalizado que parte de tudo que estava guardado ali havia partido para nunca mais voltar.
É difícil digerir certas verdades absolutas, logo eu que não acredito muito nelas. Porém está é incontestável, um dia todos nós iremos partir, só que a naturalidade com a qual pronunciamos tal frase se desintegra quando a teoria vira prática.
O lado bonito, aquele que a gente insiste em destacar pra ver se a dor fica menor, tipo 'nos encontramos na eternidade' na real não ameniza nada porque pra ser bem sincera eu queria ver meu pai é nessa existência, carregando meus filhos no colo, dando doces a eles escondido, passeando pelo bairro os apresentando para todo mundo "esses aqui são da minha menina mais nova".
Se eu fechar meus olhos agora, posso até ouvi-lo falar isso e aí a saudade grita. Ah Jéssica, mas você conviveu com seu pai 33 anos da sua vida, seja grata! E eu sou, mas também não quero ser... tem dias que não quero ser.
Tem dias que só quero mandar o lado bom das coisas pras cucuias e questionar sim, questionar muito: P O R Q U Ê? Ele só tinha 66, gente. Só 66. E a verdade é que poderia ter 76, 86, 96... idade alguma amenizaria a partida de alguém que nunca mais vai voltar.
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