ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SÁBADO  16    CAMPO GRANDE 32º

Comportamento

Para quem começou a costurar em papel de bala, ateliê parece sonho

Mais de quarenta anos já se passaram desde que Jô iniciou a carreira só sabendo pregar botões

Aletheya Alves | 07/12/2022 07:02
Ateliê é realização de sonho para quem começou costurando papel de bala. (Foto: Aletheya Alves)
Ateliê é realização de sonho para quem começou costurando papel de bala. (Foto: Aletheya Alves)

Escondido atrás de árvores na Rua Aluízio de Azevedo, um ateliê de costura dá dicas sobre sua idade pelo conjunto do pequeno toldo já gasto, o portão e as janelas que permaneceram de outra época. Dentro do salão colorido, Jô dá continuidade à sua história de amor com as linhas. Amor esse que começou com a nordestina pregando botões e costurando em papel de bala.

Quando chegou a Campo Grande, Josefa Matias Souza tinha apenas 8 anos e em pouco tempo já estava na roça. Hoje, aos 62, uma de suas atividades favoritas é parar, observar as roupas a serem costuradas, conferir as linhas e pensar: “olha tudo o que conquistei”.

Por isso, ela conta sua história sem nem pensar duas vezes e ainda aproveita para defender que nenhuma palavra ruim conseguiu fazer com que sua persistência ficasse de lado.

“Ninguém constrói casa começando pelo telhado, a gente começa pelo chão. A gente sobe a escada pelo primeiro degrau, a vida é assim. Então tem que ter paciência e insistir. Hoje eu agradeço a Deus porque tenho minha profissão que amo e com ela foi assim, aos poucos”, diz Jô.

Jô conta que aprendeu a costurar depois de muita insistência. (Foto: Aletheya Alves)
Jô conta que aprendeu a costurar depois de muita insistência. (Foto: Aletheya Alves)

Tendo aprendido e precisado trabalhar logo cedo, a costureira se encontrou na profissão depois de já ter passado pela roça e por várias casas sendo doméstica. E andando pelo Jardim Monte Líbano a caminho de uma das limpezas é que se encantou pelo barulho da agulha nas roupas.

Mesmo com uma tia que costurava as roupas da família sempre por perto, Jô conta que as técnicas não foram aprendidas. E só depois de perder as contas de tantos pedidos feitos é que conseguiu um caminho para treinar.

“Eu passava na frente de uma ateliê de costura que tinha aqui no bairro e todo dia perguntava para o dono se ele não precisava de alguém para pregar os botões. Ele sempre bravo falava que não. Continuei passando, ficava sempre olhando e não parei de pedir o emprego. Até que um dia ele cansou e me deu o emprego”, relembra a costureira.

Sem paciência para treinar a nova funcionária, o dono do lugar só ensinou o modo de colocar a linha na agulha e “dar partida” na máquina. Depois disso, tudo ficou sob responsabilidade da aprendiz.

Jô conta que passou um tempo encarregada dos botões e o ateliê acabou fechando. Assim, recomeçou o aprendizado como trabalhadora em um centro de saúde da Capital.

Por não ter renda para investir em equipamentos e tecidos, o jeito que encontrou foi começar a dar pontos em papéis de bala. “Eu pegava eles e ia costurando, fazendo como se fosse lembrancinhas e distribuía para as médicas. Tanto é que tenho clientes médicas desde aquela época”.

Desde a pintura até o piso, tudo foi feito por ela e pela filha. (Foto: Aletheya Alves)
Desde a pintura até o piso, tudo foi feito por ela e pela filha. (Foto: Aletheya Alves)

Outro modo de continuar tentando era indo até o antigo lixão para coletar tecidos e panos descartados. Neles, Jô treinava o quanto achava necessário e assim foi construindo suas técnicas.

“Eu ia tentando fazer roupa, também peguei muita roupa já gasta em brechó. Pegava essas peças, desmontava e fazia elas de novo. Assim conseguia aprender como fazer. Fui insistindo até conseguir”, relembra.

Depois de muito treino, papel de bala feito e roupa reconstruída, a costureira decidiu dar os primeiros passos mais longos e abrir seu ateliê. “Eu tinha o dinheiro para pagar metade do aluguel lá na Sete de Setembro e a dona confiou em mim. Fui trabalhando, oferecendo meu serviço para cada pessoa da rua e no final do mês eu tinha tudo o que precisava para pagar”.

Após algum tempo na Sete, Jô resolveu mudar o ateliê para o Monte Líbano, até que, há cerca de 20 anos, se fixou na Rua Aluízio de Azevedo. Hoje, ela divide o espaço com a filha e se orgulha de dizer que aprendeu a ler sozinha, não desistiu do gosto pela costura e diariamente sorri quando pensa nos rumos que a vida tomou.

“Eu amo meu trabalho, todo dia aprendo uma coisa nova, sabia? É bom demais você fazer o que gosta. Não foi fácil, muita gente falou para eu desistir porque não ia dar certo, mas hoje eu tenho meu trabalho e quando eu partir, vou partir feliz”.

Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).

Nos siga no Google Notícias