Pelo 1° abraço, criança brinca ao lado de presídio e sonha com liberdade do pai
Os filhos moram no bairro Noroeste e ficam contando nos dedos os dias que faltam para ter o “herói” de volta em casa
À espera de um abraço, os arredores da Penitenciária de Segurança Máxima da Capital viram pátio para crianças brincarem enquanto sonham com a liberdade dos pais. Elas moram no bairro Jardim Noroeste, em Campo Grande, e ficam contando nos dedos os dias que faltam para ter o “herói” de volta em casa. “Sinto tanta saudade dele porque me dava carinho”, diz uma menina de 8 anos.
Ela é uma das várias crianças que fazem “escolta” em frente ao local. Em razão do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), por estarem em situação vulnerável, os personagens não podem e nem serão identificados. Na região, as casas estão a pouco mais de 100 metros do presídio, numa estrada de chão cheia de mato e quase sem movimento de carros. Dos dois lados têm residências e alguns barracos que foram erguidos usando madeira nas paredes, zinco no teto e lona nas janelas. A situação de saneamento básico é precária, assim como falta alimento, roupa, mas não a esperança.
Independentemente do erro ou da ficha criminal, o amor não muda e é no meio da rua que muitos encontraram um jeitinho de se distrair enquanto aguardam ansiosos pela soltura dos pais.
A menina de 8 anos viu o pai pela última vez quando tinha 5. Na época, eram “unha e carne” e se divertiam muito. “Andávamos de bicicleta, assistíamos filmes e agora tem três anos que não o vejo”, a garotinha ao se emocionar.
Enquanto o pai não retorna, ela pega a bicicleta para pedalar. “Espero ele sair para correr e dar um abraço bem forte, a gente ia brincar bastante. Cometeu erros, mas sempre vai ser meu herói porque eu amo ele”, afirma a filha entristecida.
Ela tem o direito à visita, porém prefere não ir. “Tenho medo deles [policiais] ficarem batendo no meu pai e eu ficar olhando”, explica. Após a breve conversa, a menina voltou a pedalar e ficou pensativa. Talvez, imaginando que o que a separa do pai é aquele muro alto do presídio.
Quem cuida da criança é a madrasta de 50 anos. Ela está casada com o pai da criança há 14 anos, entre idas e vindas, e relata a tristeza de ver a menina cabisbaixa. “É como se fosse minha filha de sangue. No aniversário dela, ela pegou a foto do pai e me abraçou dizendo que o queria ali. Tinha feito um bolo e queria dar um pedaço ao pai”, lembra.
Mesmo com o tumor evidente no rosto, ela deixa de cuidar da saúde para amparar a enteada. A vida com o marido era boa, porém com a separação vieram os erros. “Tivemos uma desavença e ele ficou fora por dois meses. Quando voltou, foi parar no presídio e reatamos. Parece que se envolveu com sequestro, tráfico e quem mais sofre é a filha”.
Agora, além de mãe, a madrasta assumiu também o papel de pai, e ainda tem que lidar com a prisão do marido. Ora precisa de um abraço, ora precisa abraçar a enteada para suportarem juntas a situação. “Expliquei que em 2021 ele vai ter direito ao semi aberto e aí vão se ver novamente. O pai brincava muito com ela, era amigo e também sente falta dela. Acho que a reaproximação com a filha pode fazer o mudar”, afirma.
Enquanto a primeira menina brinca na bicicleta, a segunda entrevistada prefere ficar sentada em frente à porta da sala aguardando ansiosa pela volta do padrasto. Entre um pensamento e outro, a forma mais confortável de lidar com a situação é imaginá-lo saindo pelo portão, sem algemas, para ser livre.
“A gente brincava de pega-pega, cosquinha, andar de bicicleta, correr atrás do nosso cachorro. Ele fazia meus gostos, sinto muita falta. Quando o ver daria um abraço apertado”, diz ela toda tímida. Com 8 anos de idade, ela conheceu o padrasto aos 5.
A mãe dela tem 33 anos, é diarista e, tem outros três filhos, mas nenhum é do atual marido. Se conheceram numa lanchonete, no entanto a dificuldade de conseguir um serviço o fez se envolver com coisas erradas e parar atrás das grades, onde permanecerá por dois anos. “Ele é importante na criação dos meus filhos e gosta deles. Costuma ser pulso firme e me ajudava em tudo”.
Para ela, os filhos crescerem na presença de um pai ajuda na formação do caráter. “O comportamento melhora. Tenho que trabalhar para trazer dinheiro pra casa e na presença do meu marido é mais tranquilo. Apesar de ser rédea curta, todos gostam dele e o querem por perto”.
Até a liberdade chegar, os pais do outro lado do muro e atrás das grades têm escolta garantida. A dos filhos à espera de um abraço.
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