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Comportamento

Placa oferece item esquecido, mas que fez Valdemar sonhar em ser compositor

Na Rua dos Andradas, anúncio improvisado é parte da história de datilografo aposentado

Guilherme Henri | 04/04/2018 07:54
Placa escrita a mão pendurada na casa da rua dos Araras (Foto: Guilherme Henri)
Placa escrita a mão pendurada na casa da rua dos Araras (Foto: Guilherme Henri)

Em meio a era digital, a placa improvisada escrita à mão, pendurada na entrada da casa de madeira na rua dos Andradas oferece: “Vendo uma máquina de escrever manual”. Ao lado de um Fusquinha amarelo bem conservado, a placa e o carro aguardam algum interessado. Esta espera tem se arrastado por anos e até agora só serviu de chamariz para mais "descarte" do passado.

Quem quer fazer dinheiro com o item que hoje está mais para objeto de colecionador ou de decoração é o datilógrafo aposentado Valdemar Barros Dias, 65 anos. Mas, a máquina que está à venda, uma Olivetti Linea 98, é a que não escreveu histórias nos dedos de Valdemar.

O item anunciado foi doado por um antigo conhecido o que favoreceu a ideia do lucro pelo desapego. A que fez carreira com o datilógrafo desde meados de 1974 é guardada com muito cuidado, como relíquia..

Na casa simples, de piso de cera vermelha e com um varal improvisado na sala, Valdemar parecia estar à espera de alguém que perguntasse sobre suas histórias. A voz baixa e rouca vai relembrando como eram os sons das teclas que tanto batiam ali naquele mesmo lugar.

Datilógrafo aposentado Valdemar Barros Dias (Foto: Guilherme Henri)
Datilógrafo aposentado Valdemar Barros Dias (Foto: Guilherme Henri)

A paixão do que seria por um tempo o seu sustento surgiu da vontade que tinha de ser compositor de músicas sertanejas. “Eu sou apaixonado por músicas sertanejas de raiz. Namorava aquelas letras e queria ser o autor de composições assim”.

Então veio a primeira máquina de escrever. Valdemar a descreve como pequena, mas suficiente para fazer dos toques dos dedos palavras. “A dupla Milionário e José Rico ia se apresentar aqui, isso antes de 74, tentei oferecer algumas composições minha, mas não fui atendido”, relata o datilógrafo.

Com poucos meios de alcançar o sonho de compor para sertanejos famosos da época, Valdemar procurou outro uso para o talento. Ele fez curso de datilografia e ganhou uma profissão. “Comecei a datilografar algumas pastas (projetos de TCC) para estudantes e aí um começou a falar para o outro e quando vi tinha muita coisa para fazer”.

Valdemar, dona Iva e seu marido José Antonio (Foto: Guilherme Henri)
Valdemar, dona Iva e seu marido José Antonio (Foto: Guilherme Henri)
(Foto: Guilherme Henri)
(Foto: Guilherme Henri)

Esta parte da história, quem faz questão de ajudar a contar é a mãe do datilografo, Iva Barros Dias, 82 anos. Bem humorada, a dona de casa conta que a casa era frequentada pelas mais belas jovens estudantes das universidades. O que segundo ela, “adoçava” a vista do filho. “Vinha gente de todo canto da cidade. Ele era famoso”, conta.

Segundo Valdemar cada folha batida na máquina checou a custar R$ 2 na época. As pilhas de pastas eram tamanhas que as vezes ele precisava começar às 7h e ir até às 21h sem parar para almoçar.

Já que o sonho de compositor não decolou e os negócios estavam indo de vento em popa, Valdemar então passou a guardar o suado dinheirinho para comprar um carro. E só em 1986, finalmente, alcançou o objetivo: o Fusca amarelo na garagem.

O tempo passou, Valdemar conheceu a osteoporose e acabou impedido de escrever, porque não conseguia mais ficar na mesma posição por muito tempo sem sentir dor. Por isso, o Fusca foi completamente adaptado, mas atualmente passa a maior parte do tempo na garagem.

Os dias de Valdemar agora correm na mesma cadeira em que contou suas histórias, à espera de alguém disposto a pagar R$ 200 para levar a máquina anunciada. “Até agora só apareceu gente que também quer se desfazer das que tem. Aí eu digo. 'Mas, se eu não consegui vender nem essa como vou guardar outra'”, brinca o homem com uma risada abafada.

Fusca amarelo adaptado na garagem de Valdemar (Foto: Guilherme Henri)
Fusca amarelo adaptado na garagem de Valdemar (Foto: Guilherme Henri)
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