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Comportamento

Policial que resgatou vítima surda aprendeu libras em casa com irmã

Gizele prestou atendimento à vítima explorada por 1 ano pela irmã; mulher era deficiente auditiva e pediu socorro com "X" na mão

Paula Maciulevicius Brasil | 06/07/2020 07:42
Sargento da Polícia Militar, Gizele (à esquerda) aprendeu a se comunicar com deficientes auditivos tendo a irmã Laura como mestre. (Foto: Kísie Ainõa)
Sargento da Polícia Militar, Gizele (à esquerda) aprendeu a se comunicar com deficientes auditivos tendo a irmã Laura como mestre. (Foto: Kísie Ainõa)

São 13 anos que separam Gizele e Laura. A "temporona" da casa nasceu em 1987, quando a mais velha nem pensava em seguir carreira na Polícia Militar. Aos oito meses de vida, Laura foi diagnosticada com surdez profunda, o que fez com que a família viesse de Bela Vista para Campo Grande e aprendesse, além de Libras (Língua Brasileira de Sinais), a olhar a vida pela perspectiva da caçula.

Foi esse aprendizado, vindo de casa, que a sargento Gizele Guedes Viana, de 45 anos, levou para as ocorrências nas ruas. Há duas semanas, ela esteve no atendimento da vítima, também deficiente auditiva, explorada pela própria irmã durante um ano. O resgate aconteceu no último dia 25 de junho, depois que a mulher mandou uma foto com um "x" vermelho na mão para a família que mora no interior, símbolo da campanha "Sinal Vermelho" criada pelo Conselho Nacional de Justiça para a denúncia de violência doméstica.

Gizele contou, na ocasião do resgate, que a vítima nem precisou falar, bastou o olhar. "Tenho facilidade em entender, mas não sou credenciada em libras", enfatiza Gizele. A única que fez curso mesmo e aprendeu, além de Laura, foi a mãe, dona Angelina. "Mas por todos estes anos de convivência, eu consigo me comunicar, também conheço os amigos dela desde criança", contextualiza.

Diferença de idade entre as duas é de 13 anos, e Laura quem trouxe Libras para a família além de um olhar para a inclusão. (Foto: Kísie Ainoã)
Diferença de idade entre as duas é de 13 anos, e Laura quem trouxe Libras para a família além de um olhar para a inclusão. (Foto: Kísie Ainoã)

Nos 22 anos de serviço na Polícia Militar, a sargento nem consegue contabilizar as ocorrências que já envolveram algum tipo de deficiência, em especial, auditiva, mas sabe descrever o sentimento de compreender os envolvidos.

"Quando vou fazer esses atendimentos é uma satisfação poder ajudar e compreender. Muitos amigos nossos ficam perdidos na ocorrência e não entendem. É algo bem delicado, eu sempre vou de coração aberto. Nesta [a da irmã explorada], quando fui conversar do lado de fora para saber melhor da situação, foi como se eu tivesse passado a minha vida inteira conversando com ela", diz.

Das três filhas da família Guedes Viana, Laura foi a única que conseguiu terminar o ensino superior. "Eu e minha outra irmã deixamos para trás, e ela continuou. Pra mim, ela é orgulho, tenho uma admiração imensa pela Laura".

Policial militar tem hoje um outro olhar na hora de ouvir e falar com as vítimas. (Foto: Kísie Ainoã)
Policial militar tem hoje um outro olhar na hora de ouvir e falar com as vítimas. (Foto: Kísie Ainoã)

Laura tem hoje 33 anos, é formada em Recursos Humanos, e não esconde o orgulho que sente da irmã. Sobre o atendimento, especificamente desta vítima, ela diz que "foi muito bacana". "Muito orgulho da minha irmã e muito feliz", escreve por mensagem de WhatsApp ao Lado B.

A naturalidade de ter aprendido a comunicação em casa mostrou para a sargento que além da sinalização com as mãos, as expressões faciais fazem toda a diferença. "Eu sei o quanto os deficientes auditivos analisam cada gesto facial e assim eles conseguem verificar o quanto podem relatar das suas dificuldades. E se por acaso eles sentirem que não podem confiar, já era", explica.

As ocorrências que mais marcaram a carreira, claro, envolveram deficientes auditivo, por dois motivos: "Pelo fato de poder responder à altura suas reais necessidades em um  momento de grande dificuldade e porque chamados envolvendo pessoas com algum tipo de deficiência não tem como não ter automaticamente a figura da minha irmã em mente", narra.

Como familiar de deficiente auditivo, a policial fala que seu desejo é poder fazer com que mais deficientes se sintam compreendidos. "Eles precisam ter o entendimento por parte dos ouvintes", e o caminho defendido é "Libras no currículo escolar".

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