Sem ligar para gramática, grupo folheia, folheia e não acha "sacanagem" em livro
A intenção era ler mais de 200 livros didáticos da Reme (Rede Municipal de Ensino), para verificar os materiais que poderiam ter conteúdo sexual ou propaganda partidária. Mas o mutirão convocado para sábado (16), na Câmara dos Vereadores, não achou nada que afrontasse a "família brasileira".
A medida faz parte do projeto "Escola Sem Partido", apresentado em junho deste ano na Câmara Municipal de Campo Grande. O mutirão com funcionários do Legislativo foi ideia do vereador Vinícius Siqueira (DEM). Alheio ao teor gramatical ou pedagógico, o que quase nunca entra em pauta, ele preferiu caçar o que chama de conteúdo "exagerado" e "perverso" e, ultimamente, anda rendendo muito voto entre os conservadores.
"A gente não vai conferir para ver se há erros, nossa preocupação é só a parte ideológica. Essa revisão de erros tem que ser analisada com a Secretaria de Educação", justifica ao ser questionado sobre os demais interesses.
O vereador e os funcionários do gabinete reforçaram olhares sobre socialismo e comunismo, nada de capitalismo no alvo da equipe. "Os livros do 9º ano falam do socialismo. São os que a gente têm que mais olhar viu?", mencionava Vinícius Siqueira aos companheiros do mutirão.
A linha conservadora do trabalho ainda deixou clara a rejeição à ideologia de gênero. Membro do MBL (Movimento Brasil Livre), a enfermeira Aline Godoy Brandão, de 27 anos, participou da "vistoria" e acredita que o assunto pode influenciar crianças na "escolha" da sexualidade.
"Hoje em dia, tem sido pregado que existem vários tipos de gênero, mas a pessoa nasce homem ou mulher. Não somos contra a pessoa que na fase adulta decide ser homossexual, mas acredito que uma criança não está pronta para ter esse tipo de exposição tão cedo".
A ideologia, nesse caso, fica evidente no próprio discurso de Aline, que se diz contra um diálogo sobre sexualidade nas escolas, mesmo que seja um espaço que mereceria reflexão desde muito cedo. "Isso é uma coisa que deve ser tratada na família, no cotidiano, quando a família vê ou conhece alguém que tem outra opção sexual. Isso não é coisa que deve ser tratada na escola porque acaba incentivando a criança a procurar outras opções antes da hora. E com relação a política, é a mesma coisa".
Depois de 3 horas dedicadas a revirar páginas, nada de "imoral" foi encontrado. O vereador afirmou que só 70% dos livros foram lidos, mas o que se viu foi um folhear bem rápido de cada material. "A concentração foi em dois anos e duas disciplinas, Ciências da 8ª série e História do 9º ano. Felizmente, a gente não encontrou nada, ficamos muito felizes".
Caso algo de "errado" fosse encontrado, a ideia era encaminhar o material à prefeitura para que o livro didático fosse retirado da lista do ano letivo de 2018.
"Escola sem partido" - A Câmara de Campo Grande pega mais uma vez carona no onda conservadora que polarizou as discussões políticas no Brasil. Por aqui, o texto do Projeto de Lei prevê que o poder público não interfira na orientação sexual dos alunos e nem permita práticas "capaz de comprometer o desenvolvimento de sua personalidade com a respectiva identidade biológica de sexo".
Além disso, a proposta prevê uma série de restrições aos professores, quanto ao que eles podem ou não falar em sala de aula, que não poderia promover os próprios interesses, nem opinar ou comentar sobre preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.