Tataraneta saiu da Tia Eva, mas comunidade não deixa dona Deolinda
Aos 74 anos, ela afirma que a família hoje está reunida por conta da tataravó que era ex-escrava e comprou as terras na Capital
Deolinda Ferreira Silva quer manter tradição de reunir a família na comunidade Tia Eva, criada pela sua tataravó Eva Maria de Jesus. Aos 74 anos, ela não mora mais no local, porém retorna toda semana para encontrar a família, tomar chimarrão e combinarem as festas para os moradores fazerem aquele arrasta pé.
“Há 56 anos me casei e mudei de bairro, mas sempre volto na comunidade uma vez por semana para tomar chimarrão e organizar festas. Tenho irmãos por lá, que criaram apego pelo local, pois não podemos abandonar o que nossas avós deixaram pra gente. Minha mãe Alzira dizia para preservar as raízes”, conta.
A comunidade foi fundada em 1948 por Eva Maria, uma escrava que conseguiu a carta de alforria e veio para Campo Grande num carro de boi. Trouxe três filhos e queria comprar um local para morar, onde criaria os herdeiros em paz. Contudo, era um período difícil, principalmente para uma mãe negra e solteira.
No entanto, Eva era religiosa e se apegou na promessa de que se comprasse uma casa, construiria uma igreja em homenagem a São Benedito. As negociações deram certo e Eva conseguiu cerca de 8 hectares. “Levantou a igreja e aí começaram as reuniões na casa do padroeiro da comunidade. Os encontros eram nos fins de semanas e padres celebravam a missa”, lembra Deolinda.
A igreja foi construída em 1912 e desde 1919, a Festa de São Benedito passou a ser realizada anualmente.
O local na época era afastado de Campo Grande. “Era mato e na época tudo era madeira. Os fazendeiros iam conhecendo o local e retornavam de longe para doar vacas aos leilões de gado que faziam. Cada vez mais pessoas chegavam e a família aumentava”.
Para chegar em Deolinda veio primeiro Eva Maria, Sebastiana, Catarina, Alzira e a atual tataraneta. “Foram mulheres fortes. Minha avó Eva era uma pessoa boa, tratava todo mundo bem e todas as pessoas gostavam dela. Há mais de 20 anos o pessoal fez uma estátua dela e construíram através de lembranças de moradores antigos”, conta.
Deolinda morou até os dez anos com a avó Catarina, pois sua mãe ficava na fazenda e a visitava de vez em quando. Foram vários momentos na comunidade, onde ela gostava de brincar nas sombras dos pés de manga e se divertir nos arrasta-pés.
Foi um período difícil, pois ela também precisou enfrentar o preconceito devido ao tom de pele. “O racismo sempre existiu, ainda mais porque vó Eva foi escrava. Tivemos que lidar com isso, mas nunca teve brigas ou desentendimentos na comunidade por conta do tom de pele. Hoje acho que essa questão diminuiu por conta das leis”.
Com 10 anos, Deolinda foi levada para um colégio interno onde permaneceu por alguns anos e depois casou com um integrante da comunidade. “Daí viemos morar aqui no bairro São Francisco. Mas, nunca deixei de visitar o local. Tenho quatro irmãos, duas ainda continuam lá e ajudam a cuidar, principalmente da igreja”.
Algumas partes foram invadidas por pessoas de fora que chegavam. “Isso não é permitido, só pode morar na comunidade Tia Eva os parentes e agregados da família. Inclusive anualmente realizamos um cadastro para confirmar o parentesco”, afirma Deolinda. Atualmente cerca de 200 famílias de descendentes vivem no local.
Uma tradição que começou nos primeiros anos da comunidade foi a feirinha, segundo Deolinda. “Na feira o pessoal vende artesanato, comida, costura, tudo que aprenderam na época com minhas avós. Foi criado o grupo GMUNE (Grupo Mulheres Negras em Ação da Comunidade Tia Eva), para ajudar as moradoras”.
“Muitas coisas mudaram e se a vó Eva não tivesse comprado o local em Campo Grande, nós, as gerações, estaríamos todos esparramados, sem a união que existe na comunidade. Foi nossa matriarca que iniciou para prosseguirmos até hoje”, destaca.
Sarah Silva Holland de Souza, 27 anos, é a 7ª geração e também comenta sobre Tia Eva. “Ela mostrou a força da mulher, que não é só ficar dentro de casa. Por sermos da família, também temos benefícios e conseguimos bolsas de estudos, muitos hoje são formados e agora são advogados, professores.
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