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Comportamento

Um matuto sul-mato-grossense resolve conhecer o cinema pornô carioca

Lucas Arruda | 07/07/2016 12:00
Fachada do cinema no Rio de Janeiro.
Fachada do cinema no Rio de Janeiro.

Chegar no Rio de Janeiro depois de viver a vida toda numa capital interiorana como Campo Grande impressiona. Muitos veículos pela cidade, pessoas do mundo todo circulando pelas ruas, lindas praias, pontos turísticos famosos e imponentes e muito mais.

Mas como toda grande metrópole, a Cidade Maravilhosa esconde algumas surpresas, muitas agradáveis e algumas são, no mínimo, bizarras. Foi numa dessas que me meti outro dia.

Um amigo estava à toa e atiçado pela curiosidade me fez uma proposta inusitada: ir a um dos poucos cinemas de rua que ainda existem pelo Centro do Rio de Janeiro, que foram quase extintos após as salas de exibição se popularizarem nos shoppings. Detalhe: o cinema só exibe filmes pornôs.

Chegamos na Cinelândia depois do almoço e paramos um pouco receosos em frente ao Cine Rex, que fica no térreo de um prédio comercial, na rua Álvaro Alvim. Na fachada um desgastado letreiro vermelho avisa: “EXIBIÇÃO DE FILMES PORNOGRÁFICOS 1030 HS SAB DOM FER 14HS”.

Muitas pessoas passavam pela rua, mas no interior do prédio a movimentação era pouca. Perguntamos ao segurança se estava tendo uma sessão, ele confirmou e nos indicou a bilheteria do local.

Lá, um sulfite branco indicava as produções em cartaz, sem interrupção durante todos os dias da semana: “A Garota da Web Sex” e “Black & White”. Não havia qualquer menção de horário de início da sessão, ou seja, o pagante pode entrar a qualquer hora do dia. Pagamos R$ 18 cada e nos dirigimos à sala de projeção.

Ao entrar, a escuridão tomou conta. Não conseguia enxergar um palmo à minha frente, somente vultos e um dos dois filmes projetados que ocupava somente metade da imensa tela de cinema. Procuramos dois lugares vagos, havia muitos, e sentamos.

À medida que os olhos começaram a se acostumar com a falta de claridade, passei a me dar conta da grandiosidade e decadência do lugar. A sala é enorme, imponente, com dois andares de plateia acima do térreo, mas a circulação de pessoas só é permitida embaixo.

A pintura das paredes está gasta, muitas das poltronas estão com o estofado rasgado e o que mais me impressionou foi uma imensa pilha de cadeiras velhas e quebradas amontoadas abaixo do telão que quase chegava a obstruir a visão do filme. Mas isso era o de menos, afinal ninguém estava ali em busca de conforto.

Nem de longe a precária estrutura do lugar era o que tinha de mais estranho ali.

Os espectadores eram praticamente só senhores de meia idade, alguns bem vestidos, mas a maioria com roupas surradas. Também tinham umas três travestis e meia dúzia de caras mais jovens, que deduzimos ser garotos de programa. Ao todo, devia ter umas 50 pessoas por lá.

Os vultos que vi logo que entrei eram eles, andando devagar, perambulando em círculos em torno das fileiras de cadeiras, geralmente com a mão em cima do zíper, poucos estavam sentados. Todo este cenário me fez lembrar de um apocalipse zumbi.

Ficamos um tempo em nossos lugares observando tudo o que acontecia para tentar se habituar. Cada vez ficava mais estranho. Muitos dos “espectadores” passavam no corredor próximo de nós e nos olhava fixamente, nos deixando intimidados e reforçando minha imagem de apocalipse zumbi. Depois de alguns minutos, percebemos que aquela era a maneira deles flertarem e conseguirem o que queriam ali.

Alguns se arranjavam e iam para um dos cantos escuros, onde às vezes havia uma aglomeração, outros se divertiam pelas poltronas mesmo. Na comunicação durante o flerte, não havia nenhuma conversa, somente troca de olhares e alguns gestos contidos, acho que para ninguém dali correr nenhum risco de ser exposto mundo afora.

A vontade de ir ao banheiro bateu, mas estava com muito receio de ir e algum dos espectadores “zumbis” sedentos por sexo viesse pra cima. Um banheiro masculino e um feminino ficavam no canto direito da grande sala de projeção, ora a circulação de pessoas por lá era intensa, ora não havia quase ninguém. Seria uma longa caminhada. Tomei coragem e fui com meu amigo, andando devagar, queríamos passar despercebidos.

Chegamos sem problemas. Tanto o masculino, quanto o feminino era usado sem distinção. No mictório do masculino um senhor se divertia, olhando quem entrava ali. Fui ao vaso, que ficava entre paredes, mas não tinha porta. Fiquei o menor tempo possível e saí do banheiro. Agora já tinha conhecido quase todas as dependências do cinema.

Ao sair, me escorei na parede ao lado do banheiro feminino, embaixo de uma placa luminosa que avisava que era “proibido fumar” e acendi um cigarro. Naquele mundo tudo é permitido. De lá ficamos observando a sala de outro ângulo.

Vimos uma aglomeração num canto, próximo à entrada. Terminei de fumar e fomos ver o que acontecia. Esperamos as pessoas saírem e vimos uma porta que dava acesso a uma pequena sala, que mais parecia um corredor com uns dois metros de largura. Olhamos pela porta, só conseguimos enxergar cerca de um metro pra dentro, era muito escura. Dava para ouvir alguns gemidos, bem baixinho. Preferi não descobrir o que estava rolando ali dentro.

Ficamos um tempo próximo à entrada, onde alguns ventiladores eram responsáveis pela circulação de ar, fazendo com que o forte cheiro de lugar fechado há anos diminuísse. Neste meio tempo até um gari uniformizado apareceu por lá.

Depois de pouco mais de uma hora e não ter prestado atenção em nenhum dos filmes resolvemos ir embora. Do lado de fora ainda ficamos vendo alguns deles saírem, disfarçando e, quem sabe, voltando para casa, para a esposa e os filhos, para a vida normal. La dentro a realidade alternativa continuava, como um loop eterno.

Eu me despedi do meu amigo e voltei pra casa aqui no Rio pensando se nossa querida Cidade Morena também guarda algumas surpresas obscuras como essa. Melhor não descobrir.

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