A vida de quem busca a fama cantando no Comper, entre palmas e reclamação
Cantar em balada, para um público que saiu de casa com a intenção de se divertir é uma coisa. Afinar o violão, pegar o microfone e tocar para quem não está ali para isso, se torna um desafio. A praça de alimentação dos supermercados tem virado palco para duplas e cantores solo, principalmente no estilo sertanejo. O espaço é concorrido e a agenda inclui datas como "a terceira sexta-feira do mês" para delimitar o dia de cada um.
Há seis anos, Alessandre Ricardo Gonzales Cano, da dupla Carlos e Alexandre, passou a cantar em supermercados do Comper. A contratação não é ligada diretamente à rede e sim feita pelo condomínio de lojas. Mesmo com shows marcados para fora do Estado e tocando em outros locais, a dupla não deixa de se apresentar e diz que criou um público fiel.
"É um espelho, muita gente passa, pega o nosso cartão. Hoje a gente tem um contato bacana, quem vai para comprar, para e fica assistindo a gente. Não temos um público muito grande, mas já temos um", conta Alessandre. Cantar ali abriu portas das já extintas casas noturnas Le Point e Atualmente, fora shows em festas, aniversários e casamentos.
A diferença, segundo Alessandre, entre tocar ali e numa boate sertaneja está, além da dificuldade em conseguir uma vaga, em prender atenção do público. "Eu não vou mentir pra você, em casa é só com indicação e no supermercado as pessoas sentam e prestam atenção em você. Casa de show não, o povo fica bebendo e azarando as meninas", compara.
A agenda do Comper da Mascarenhas de Moraes, é fechada com antecedência de 6 meses. Por exemplo, de junho a dezembro, Carlos e Alexandre vão tocar toda segunda e terceira sexta-feira do mês e o sábado da terceira semana. Fica um pouco confuso assim, mas é dessa forma que eles apresentam ao público. Fora lá eles tocam no Hiper Center Tamandaré e no Comper Tamandaré.
"Já tivemos gente que nos viu, levou nosso contato e fomos tocar em São Paulo. É aquela, quem é visto, é lembrado", reforça.
Com menos tempo na estrada, o cantor de sertanejo universitário Helder Kohagura, tem até fã-clube que saiu das cadeiras da praça de alimentação do Comper Tamandaré. Aos 35 anos, o rapaz divide histórias boas e ruins do público que vai às compras e às vezes até reclama do som alto.
"Foi uma oportunidade que busquei para divulgar o meu trabalho. Pelo menos uma vez ao mês a gente viaja para outras cidades. Mas nos dias de semana, o mês todo, busco tocar em lugares de bastante fluxo de gente", descreve.
Convidado a participar por uma dupla sertaneja, acabou aprovado pelo síndico do condomínio e toca uma vez por semana no Comper da Tamandaré ou da Euler de Azevedo. "Lá tem um fluxo de 300 a 500 pessoas que queira ou não, acabam vendo o meu trabalho e ouvindo as minhas músicas", afirma. Como a concorrência para as casas noturnas tem dupla saindo pelo ladrão, ele ainda não conseguiu espaço. "A gente que está começando, tem que disputar. Estou ainda naquela carpida diária", brinca.
Na 'lida' ele já recebeu palmas, assim como ouviu reclamações diretas. "Estava me preparando para ligar e uma mulher gritou pode abaixar esse som, mas eu nem tinha ligado ainda, o plug estava na minha mão. Mas é uma fase que eu tenho que passar, tudo tem seu caminho", leva no bom humor.
Nem só de vaias se faz o público. Na praça de alimentação da loja da Avenida Tamandaré, ele conquistou fãs a ponto de se organizarem em camisetas, faixas e externar a admiração fundando um fã-clube. "Elas vão a todos os lugares onde eu vou cantar. Foram primeiro no Comper, gostaram de mim e começaram a assistir. Não chamo nem de show, é uma apresentação minha, em voz e violão", explica.
Helder costuma interagir com o público, tanto de consumidores, como de quem trabalha no mercado. "Geralmente as pessoas vão na praça apenas para se alimentar e ir embora, já fizeram o que tinham de fazer, o segredo é não atrapalhar o lanche delas, mas eu me apresento para chamar atenção para o meu trabalho", conta Helder.
Do supermercado, o cantor já foi parar até na festa de aniversário do sertanejo Loubet. O público que passa e ouve pode não ter caras conhecidas, mas não quer dizer que não possam ser empresários ou promoters. "Eu fui tocar no Comper Ypê e o empresário do Loubet estava lá, ele me chamou e foi uma noite legal pra caramba. Você vê, eu consegui chamar a atenção dele".
A parte financeira não é dos melhores retornos, não chega a sobrar, mas dá para custear os músicos que acompanham Helder e formar um público fiel. Vânia Auxiliadora, de 35 anos, é uma das fundadores do fã-clube Helder Kohagura. A primeira vez em que viu uma apresentação dele, há quatro meses, foi acompanhada de uma amiga. "Nós vamos em toda sexta-feira do mês, a primeira vez, a gente gostou, começou a aplaudir. Quando ele começa a cantar, todo mundo para a aplaude. Ele é muito gentil, não é só aquele cantor que senta e canta, ele interage", conta.
Depois veio a ideia de fazer camisetas. Ela pegou foto do Facebook e levou até uma camiseteria e mandou confeccionar três. Hoje já são 11. "Fizemos faixa, eu gosto dele, conheci ele assim e estamos aí acompanhando", resume.