De Campo Grande a Paris, muita coisa se aprende com a cordialidade fora de casa
A ansiedade deu as caras poucas horas antes da partida, já com as malas prontas e com a cabeça preparada para enfrentar mais de 20 horas de viagem de entre as cidades Morena e Luz, a noite foi só pensamentos. Paris estava logo ali.
As primeiras informações antes da chegada à capital francesa faziam pensar nos problemas das grandes cidades. Longe de isso acontecer em Campo Grande, lá, por causa dos altos índices de poluição, há circulação alternada de veículos entre terça-feira e sexta-feira do último mês do ano.
Em 1º de dezembro, dia recorde de concentração de partículas, a medição marcou 146 microgramas por metro cúbico (µg/m³), sendo que o limite de alerta é de 80µg/m³. Felizmente, há opções de transporte de passageiros que saem do aeroporto.
São três linhas de ônibus públicos, cinco linhas de ônibus privados que levam até pontos estratégicos da cidade, ao aeroporto de Orly e a Disneyland Paris, uma estação de TGV (trem-bala) e um trem interurbano regional (RER B).
O percurso entre o aeroporto e a cidade é longo e chama à atenção a construção de novos prédios na área do aeroporto. O intenso trânsito e as longas filas são comuns, mas a paciência é uma virtude e o leve barulho das buzinas é para avisar algum motorista menos atento.
O dia que chegamos começou com um belo e largo sorriso da atendente de balcão de uma padaria que, às 10h da manhã de uma fria sexta-feira, esbanjava simpatia. Aliás, aqui é possível encontrar duas grandes características: uma da infraestrutura da cidade e outra da personalidade dos moradores.
Há padarias em todos os cantos e estão sempre movimentadas, já que é costume comer pão em todas as refeições. Os atendentes de comércio são geralmente muito cordiais se a pessoa também demonstrar um leve carisma. Acreditava-se que, por causa das baixas temperaturas, as pessoas seriam mais frias. O calor poderia ser um precedente muito grande no convívio das pessoas e não foi isso que vi.
“Simpática ela, não?”, comentei com Soniá, que concordou e destacou que, se qualquer pessoa chega de maneira abrupta, é comum o atendente ser mais grosso ainda. “Não dá para chegar como um rei. Afinal, cortamos a cabeça de um, não foi? É preciso dizer ‘Bom dia’ antes de tudo”, lembrou Soniá, minha companheira nessa viagem.
Esse é um costume aplicado em todo lugar, seja em uma conversa via internet ou ao vivo e cumprimentar e agradecer são palavras ditas a todo o momento por todos os parisienses que eu vi até agora. Contagia.
Como Soniá morou quase a vida toda em Paris, ela está me levando em lugares fora do roteiro turístico. É claro que nestes dias estamos visitando os pontos mais conhecidos também e caminhamos dezenas de quilômetros passeando pela Torre Eiffel, Catedral de Notre-Dame, Praça da República, Praça da Bastille, ao Panteão, Rio Sena, Canal Saint-Martin, Jardim das Plantas, a Grande Mesquita de Paris, Bairro Chinês e por algumas ruas das duas ilhas no coração histórico de Paris.
Estamos encontrando uma cidade totalmente diferente da metrópole que imaginava. O trânsito não é (tão) caótico, não há milhares de pessoas caminhando freneticamente pelas ruas e muito menos um empurra-empurra no metrô (fora do horário de pico, é claro). Tudo funciona na mais perfeita tranquilidade.
O contraste entre Paris e a área metropolitana chamou minha atenção. A capital francesa é pequena – a área urbana possui 105 km², menor do que Campo Grande que possui 154 km² – mas o conglomerado tem 412 cidades, perfazendo uma extensão territorial de 2.845 km² e totalizando mais de 10,6 milhões de habitantes.
Estamos hospedados em um apartamento localizado nos limites de Paris, em um dos municípios da região metropolitana, onde é possível encontrar centro comercial, hospital, escolas, culinária de diversos países, metrô, bancos, empresas de diversificados ramos e uma localidade em constante mudança onde há muitos empreendimentos novos.
A mistura de etnias nesta região é evidente a cada passo, e a cada palavra, onde facilmente encontramos indianos, árabes e africanos de vários países, orientais, americanos e europeus. Em uma das principais ruas do bairro, três vezes por semana, os moradores se encontram em uma feira livre onde é possível comprar diversos tipos de produtos como frutas, verduras, legumes, vestuário, artesanato, produtos para casa e para o dia a dia, além de uma rica gastronomia de dezenas de países, deixando no ar uma mistura de sabores e temperos. O que é quase impossível de encontrar são produtos falsificados.
Na feira, também foi possível identificar pessoas de diferentes classes sociais adquirindo os mais diversos produtos nas mesmas barracas. Sobre a mistura social na França, Lea Nasca, uma amiga francesa da Soniá que morou em Campinas (SP) durante cinco anos, observou que há um comportamento mais igual entre os moradores de Paris do que no Brasil. “Apesar da ameaça terrorista, elas se tratam entre si mais facilmente de forma fraternal. Os moradores possuem mais oportunidades de coabitar nos transportes públicos, nos terraços de café e na rua.
Finalmente, as pessoas são menos reclusas do que no Brasil, onde tinha a impressão de estarem todas fechadas em seus carros, suas casas, seus condomínios. Os parisienses são mais ativos quando o assunto são as saídas culturais e a locomoção sem carro”.
Lea destacou ainda que a cultura é um dos principais hobbies de grande parte dos parisienses. Cinema, teatros, museus e concertos, em conjunto com a leitura, são atividades intelectuais cotidianas. É comum possuírem muitos livros em casa e comentarem constantemente suas últimas descobertas, deixando as pessoas extremamente informadas e curiosas.
Isso foi facilmente confirmado quando passeamos pela Rua Mouffetard, via tradicional do Bairro Latino próximo do Panteão, que possui gastronomia, livrarias, lojas de roupas, bancas de souvenirs e cinemas, onde encontramos uma variedade enorme de títulos e, apesar das entradas serem apenas uma pequena porta meio escondida, vimos filas nas bilheterias.
Claro que é preciso ponderar essa comparação, mas em Campo Grande também é possível encontrar excelentes opções de lazer. Há gente que possui talento para trazer novidades para o público, como os eventos que acontecem no Museu da Imagem e do Som (MIS), que constantemente apresenta mostras de cinema, no teatro do Sesc Horto com apresentações nacionais e em exposições nos museus de Arte Contemporânea (MARCO) e na Morada dos Baís. Nessa parte, podemos nos inspirar mais com os costumes parisienses para valorizar a cultura que está ao nosso alcance.
*Soniá é diretora da empresa Horizon France que oferece serviços de ensino do francês, traduções e divulgação da cultura francesa.
**Hugo é jornalista, diretor da empresa Módulo Comunicação.