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Diversão

Na terra do engenho, o trabalho de quem não larga o tacho e a vida em Furnas

Paula Maciulevicius | 17/08/2013 15:09
Se a rapadura é personagem principal do quilombo é porque por trás da colher de pau teve muita gente que atuou antes. ‘Seo’ Antônio Filho Martins, de 83 anos é um dos que mais viveu ali. (Fotos: João Garrigó)
Se a rapadura é personagem principal do quilombo é porque por trás da colher de pau teve muita gente que atuou antes. ‘Seo’ Antônio Filho Martins, de 83 anos é um dos que mais viveu ali. (Fotos: João Garrigó)

A terra dos sorrisos abertos onde a cor da pele contrasta com o brilho do riso e brinca com a idade. Em Furnas do Dionísio o sábado é de agito. Quem não aparenta, nem de longe, quantos anos já viveu lá que o diga. A expectativa é de receber até o fim da noite, com baile no salão, 600 pessoas para o Festival da Rapadura. Produto que mais sai dos engenhos da comunidade quilombola em Jaraguari.

Das 94 famílias, quase todos parentes entre si, a preocupação é dar continuidade às tradições. Danças e costumes que estão se enfraquecendo com o passar de gerações. “Eu tenho essa preocupação, porque gosto de fazer uma coisa que veio do meu avô, do meu pai”, compartilha a representante da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Furnas do Dionísio, Maria Aparecida Martins, de 58 anos.

Ela quem explica a necessidade de reviver as tradições, as danças de catira e do engenho novo, o que era “arrepiante” de se ver foi morrendo com os velhos. Palavras dela mesma.

Numa comunidade onde tudo é em família, a distância estabelece um lote de outro. Cada um tem sua chácara e produção própria composta de rapadura, hortaliça e farinha. Tudo vendido para Campo Grande e Jaraguari, além do consumo deles mesmos.

Bisneta do fundador, Dionísio Antônio Vieira, as gerações descendentes chegam até agora a pelo menos 80 entre netos e bisnetos. Gente que vai passando para os filhos a história da nascença.

A modéstia reina em Furmas. Ninguém bateu no peito para dizer que a sua rapadura é a melhor.
A modéstia reina em Furmas. Ninguém bateu no peito para dizer que a sua rapadura é a melhor.

“Eu falo vocês tem que contar, é muito gratificante para nós. A história não pode se deixar perder. Quando ele chegou isso era mata fechada. O que meu pai contava eu sempre conto”.

A protagonista da festa, a rapadura, está dividida em 500 tabletes, comercializados na média de R$ 5 cada. Da simples a com mamão, a modéstia reina na comunidade. Ninguém bateu no peito para dizer que a sua é a melhor de todas. “Não vou dizer que a minha é melhor, porque são várias e de muitos sabores. De repente você prova e acha que está boa a minha e a do outro”, brinca o produtor Sebastião Batista da Silva, 52 anos. Ele jura que o segredo está no ponto que o melado é deixado no tacho.

Se a rapadura é personagem principal do quilombo é porque por trás da colher de pau teve muita gente que atuou antes. ‘Seo’ Antônio Filho Martins, de 83 anos é um dos que mais viveu ali.

“Estou sendo mais antigo sim, graças a Deus. Meu médico disse que está tudo legal comigo e que vai depender só de mim”, antecipa. Os 84 só serão completados ano que vem. A data já é outra história... Ele precisa da ajuda da filha para se lembrar que nasceu no dia 22 de julho.

O modo como fala e lida com a vida no lugar não dá ao produtor a idade que tem. “Tem aquele ditado, preto quando pinta diz que é 130”.
O modo como fala e lida com a vida no lugar não dá ao produtor a idade que tem. “Tem aquele ditado, preto quando pinta diz que é 130”.

Das oito décadas, apenas três anos esteve numa fazenda a trabalho e 10 meses no quartel, em serviço obrigatório. Tirando isso, não nega que nasceu pra morar e viver nas Furnas.

“Para a gente que foi criado aqui não tem lugar mais bom. A água quando bebe é mais mió do que as outra, é diferente”. O vocabulário é simples, de um homem que sempre viveu na enxada.

Seo Antônio e a família, 11 filhos, 15 netos e cinco bisnetos refletem o cenário do que é viver ali. Parte dos filhos foi pra cidade morar e trabalhar. Apenas uma das meninas escolheu viver ali.

Em tempos onde a facilidade chegou pra todo mundo, ele acredita que o trabalho já não é mais convicção da juventude e que a simplicidade de hoje foi substituída pela vaidade.

“As coisas estão mais fáceis. Aquele tempo não tinha tanta coisa, eram mais simples as coisas”.

A rotina dele depende da vaca. Se o animal está apartado, ele retira leite. De resto, seo Antônio diz que fica enrolando pela chácara mesmo.

O modo como fala e lida com a vida no lugar não dá ao produtor a idade que tem. “Tem aquele ditado, preto quando pinta diz que é 130”. Brincadeiras à parte, ele assume a cor. “Uai, sou preto. Cada um tem a cor que Deus quer. Eu não digo que o preto é livre não, tem muita gente ainda que só porque em cor é menos”, relaciona.

A esposa, Clementina Ana Martins, de 67 anos, é só sorrisos. Nascida e criada na comunidade, casou-se com um primo, como a maioria das mulheres. “Não vinha gente de fora, minhas gurias já tudo casaram com estranhos, gente mais branca”, fala.

E no enredo da festa da rapadura, os personagens da vida real tem verdade simpatia pelo lugar. “É igual quando troca de roupa. Tem roupa que você gosta e aquela que dá mais certo na pessoa. Meu sonho minha filha? Fiquei rendido agora... Eu não sei explicar essa pronúncia, mas o que eu mais quero na vida é saúde. As outras coisas a gente se vira”.

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