Como o Gacha te conquista em "Troca de Cartuchos episódio 4"
Vamos voltar para 1994. O Brasil faturava o Tetra com a dupla Bebeto e Romário, e o Dólar valia igual ao Real. Se já começou a bater saudade, vamos focar em como era o mercado de games. Super Nintendo e Mega Drive dominavam o mercado enquanto a Sony se preparava para lançar seu console, ainda que discretamente.
Você comprava o jogo, e ele vinha completo, às vezes com vários finais diferentes melhorando a possibilidade de jogar novamente. No auge da 4° Geração e dos seus 16 Bits, os consoles tinham um monte de acessórios, e jogos com muitos recursos, o que evitava a malandragem das desenvolvedoras de fazer jogos super difíceis para aumentar seu tempo com o título. Em 1994, jogar era uma experiência diferente, você era desafiado, mas ainda sim já surgiam grandes histórias e narrativas nas plataformas. Ainda dependia exclusivamente do jogador, de sua habilidade e senso estratégico. As revistas eram exatamente por causa disso, analisavam games e mostravam como resolver os desafios, ainda que cada locadora de bairro tivesse um guri com um jeito diferente de derrotar aquele chefe sacana da terceira fase.
Findado o combustível de nossa máquina do tempo e da visita a era Parreira na Seleção, voltamos ao sombrio ano de 2020, que por causa de uma pandemia, fez a gente ficar em casa e jogar ainda mais.
Não vou me alongar no problema que é comprar um jogo e não poder simplesmente colocar no videogame e jogar, já que hoje é preciso instalar, configurar, baixar atualizações, testar conexões… O plug and play já era, mas o ponto agora é outro: Gacha.
Gacha é um termo japonês que se refere àquelas máquinas onde você coloca uma moeda, e recebe um brinquedinho, igual tem em praticamente todo mercado em Campo Grande.
No Japão, essas máquinas vendem colecionáveis de maior qualidade, sendo um produto de desejo de fãs de animes e franquias diversas.
Mas a máquina não te toma dinheiro, o maior problema nesse caso é teu filho te arrastar para uma dessas na saída do mercado e pedir seu troco para investir em bolinhas que pulam até um buraco negro para sumir para sempre. O problema do gacha é como ele foi inserido e dominou o mercado de games.
Lembra da viagem do tempo? Antes você comprava o jogo, que variava de 40 dólares no lançamento, até 15 reais o cartucho na feira, vindo diretamente do trecho Ponta Porã - Campo Grande. Você coloca o cartucho no videogame e pronto, sai jogando.
Já em 2020, não temos Romário nem Bebeto na seleção, o dólar não deixa a gente sonhar com o Paraguai, e todo mundo tem um videogame no bolso. Quando o gacha começou a virar modelo de negócio, foi justamente assim, nos smartphones, atraindo um público gigantesco e que notadamente não queria investir dinheiro para jogar Candy Crush.
Nada que uma pesquisa de mercado não resolvesse, então as desenvolvedoras começaram a colocar seus jogos de forma totalmente gratuitas, atraindo gamers como um grande pote de mel faria com formigas. Você não gasta nada, pode jogar (quase) a vontade, e daí gosta tanto que chama seus amigos. Evolui tão rápido que seu cérebro libera uma dúzia de substâncias como forma de recompensa pelo avanço no jogo, e quando sua atenção está completamente tomada, ele bota a mão na sua cara e diz um: “calma lá, meu jovem”.
Esse é o ponto da virada, e de como o dinheiro sai da sua carteira, diretamente para o bolso de um rico investidor dono de uma desenvolvedora de games. Os jogos do tipo gacha te permitem jogar e evoluir rapidamente, mas depois freiam o avanço do jogador, que a partir daí traz algumas possibilidades.
A primeira e gratuita é chamar mais jogadores em troca de vidas, gemas, ou novas jogadas, é uma parada tão honesta quanto colocar toda sua família na Telex Free, e caso você não tenha entendido, é uma parada insustentável.
A segunda forma é com grana. Você pega seu rico dinheirinho e coloca no jogo, para conseguir aquilo que em outro momento você tinha de graça. É assim que temos jogadores que investem 2, 3, 4 mil reais nessa aventura, mas que não querem gastar 300 reais em um lançamento completo.
Essa mecânica dá tanto dinheiro, que até os jogos que antes vinham completamente na íntegra, agora tem um tipo de gacha. Quer um exemplo? A franquia Assassins Creed tem como seu último lançamento o Valhalla. Ele vem completinho na caixa (ou em formato digital), mas se você quer um cavalo maneiro, ou a localização de itens e materiais, tem que gastar dinheiro de verdade no jogo para conseguir esses acessos.
Sim, é absurdo a este ponto, você compra um jogo na melhor edição possível , gasta 450 reais nele, e mesmo assim, para ter acesso a TUDO que o jogo oferece, precisa colocar mais dinheiro na parada. Isso é ainda pior que o gacha comum, já que nesse caso você gastou para jogar.
E para onde vamos? - A resposta mais sincera é um “não sei”, mas vejo que autoridades já começam a se incomodar com isso, principalmente na Europa, onde esse tipo de coisa está sendo investigada politicamente. Pra quem acha que é bobagem, eu gostaria de lembrar que a indústria de games fatura mais que cinema, e que faz todo o sentido regular para que o jogador não seja explorado.
E para quem acredita que não é um problema, ofereço mais uma breve viagem no tempo, de novo para a década de 90 no Brasil, dessa vez estacionamos bem de frente com um Bingo, lugar que vivia lotado, e que acabou com a vida financeira de muitas famílias, principalmente idosos. O problema foi tão grave, que acabou por ser proibido, ainda que todo mundo sabe onde se pode jogar escondidinho por aí.
O cara que gasta hoje no joguinho, não é muito diferente do vovô que ia no Bingo.
Conheça o Video Game Data Base, o museu virtual brasileiro dos videogames.