Arepas, sancochos e patacons são memórias de amor para quem está longe
Evento que reuniu venezuelanos acolhidos por diferentes instituições possibilitou encontro entre conterrâneos
Para 11 famílias venezuelanas que, atualmente, moram em Campo Grande comer arepas, sancochos ou patacons passa de refeição para oportunidade de matar a saudade de casa. Na última sexta-feira, cerca de 50 imigrantes foram reunidos em uma grande festa para relembrar sabores, músicas, danças e a cultura do país de origem. Entre a alegria, a emoção tomou conta durante a canção “Venezuela”, de Luís Silva, música adotada por eles depois que o hino perdeu a essência e só causa dor.
O evento reuniu famílias acolhidas pela A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e o grupo de voluntários MS Acolhe, parceiro do Fraternidade Sem Fronteiras. Dessa forma, muitos conterrâneos de diferentes cidades venezuelanas se encontraram. A imigração venezuelana resulta do cenário de crise política, econômica e social que vivem atualmente. Para fugir da fome e da morte, a porta de entrada dos venezuelanos é o estado de Roraima.
Antes de dar início a comilança, as famílias apresentaram danças folclóricas como a “Leo Leo Lê” e “Manduco”, música tradicional que mulheres negras cantavam enquanto lavavam roupas no rio, na apresentação elas esfregavam a saia como se estivessem lavando.
Já a música “Venezuela” arrancou lágrimas até de quem não era imigrante. Para eles, a canção representa todas as culturas pela variedade de instrumentos usados.
Além disso, a letra remete ao retorno ao país e segundo a professora Venezuelana Lorena Cortez, de 28 anos, o texto explica o atual momento de cada imigrante, principalmente, no trecho: [...] E se um dia eu tiver que naufragar e um tufão quebrar minhas velas enterrem meu corpo perto do mar, na Venezuela [...].
Além do gêmeo de Lorena estão em Campo Grande, o irmão mais velho e sua mãe. Chorando, a jovem conta que o pai permaneceu na Venezuela.
“Ele tem medo de sair e nunca mais pode entrar na Venezuela. Nós tentamos explicar que não é verdade, mas não tem jeito. Eu nunca pensei que seria tão fácil poder viver aqui. O povo brasileiro é muito acolhedor. Me sinto acolhida pelos campo-grandenses e pelos membros da igreja. Eu sou muito grata”, conta Lorena, bastante emocionada.
Francis Perez era enfermeira na Venezuela. Para fugir da crise passou uma semana pedindo carona e percorrendo trechos a pé até chegar a Boa Vista. Sem dinheiro ao chegar ao Brasil passou três meses dormindo na praça da cidade.
A venezuelana está há um ano no Brasil, desses nove meses em Campo Grande, no Bairro Jardim Imá. A filha de 15 anos e mãe chegaram depois e somam cinco meses de imigração. A adolescente Querismar Salazar, de 15 anos, estava morrendo de saudade de comer. “Agora estamos eu, minha filha, meu filho de 10 anos e minha mãe. Estou trabalhando em uma lavanderia”, conta Francis. “É muito bom poder comer esse alimento que faz parte da minha cultura, estava com muita vontade”, disse a adolescente.
A designer de interiores Morgana Veiga Fonseca, de 27 anos, é membro da igreja e pontua que eventos como este ajudam os imigrantes a se familiarizarem e se sentir acolhidos. No entanto, ressalta que eles ainda precisam de doações na área de cama, mesa e banho, além de utensílios de cozinha.
“Nossa ala [região] recebeu cinco famílias, então, todos ajudaram de todas as formas, mas eles são um povo muito bom e sempre disposto a servir. A comida é diferente, bem diferente do que a gente tem aqui”, ri Morgana.
As arepas foram servidas como entradas. A iguaria é parecida com um pão, mas no lugar da farinha de trigo, se usa milho moído ou farinha de milho pré-cozido. A passa pode ser frita ou assada. Depois disso é só abrir e rechear a seu gosto. No evento, tinha opção com feijão, queijo e presunto e frango.
Logo em seguida, como prato principal foi servido o Sancocho. Bem temperado, é uma sopa tradicional com pedaços de carne com osso, mandioca, batata, milho e legumes. Aqui no Brasil se assemelha com o famoso puchero.
O patacon veio por último. A receita é feita de pedaços de bananas verdes amassadas em rodelas e, em seguida, fritas. No evento, tinha queijo e catchup em cima, mas vai da criatividade de cada um.
Durante todas as refeições, duas bebidas tradicionais na Venezuela foram servidas. A primeira a Papelón com Límon. Extremamente, refrescante, o líquido é preparado com rapadura batida com água e limão. A bebida também leva o nome de uma cidade venezuelana. Aqui no Brasil, é idêntica a garapa com limão.
E por fim, a bebida cremosa Chicha ganhou a noite. Feita de arroz ou massa de macarrão, leite, leite condensado, canela e gelo, a bebida adocicada se parece com arroz doce batido.