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Meio Ambiente

Baixa vazão de hidrelétrica muda cenário de rios afluentes do Paraná em MS

Pescadores denunciam impactos ambientais e socioeconômicos causados pela hidrelétrica entre SP e MS

Por Jhefferson Gamarra | 24/06/2024 15:44


A operação da UHE (Usina Hidrelétrica) Engenheiro Sérgio Motta, também conhecida como Porto Primavera, vem afetando o nível de rios e preocupando pescadores e comunidades ribeirinhas do Rio Paraná e seus afluentes no Mato Grosso do Sul. Representantes desses grupos denunciaram a situação enfrentada na região apontando os graves impactos ambientais e sociais causados pela baixa vazão da usina.

Um estudo assinado pelo professor doutor Fernando Rogério de Carvalho, do Laboratório de Ictiologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), destaca as sérias consequências do controle de água pela UHE Sérgio Motta. Segundo o estudo, o baixo nível de água a jusante da usina está causando "preocupantes impactos à biota aquática, especialmente aos peixes migradores do rio Paraná".

“O controle do nível da água no reservatório da UHE Engenheiro Sérgio Motta é realizado pela própria UHE, de acordo com seus critérios internos e externos. No entanto, a prioridade de contenção da água no reservatório prejudica sobremaneira as populações dos peixes migradores abaixo do reservatório, que está com água abaixo do nível normal do rio”, afirma o estudo. Além disso, a dinâmica dos rios afluentes, como os rios Ivinhema, Dourados, Brilhante, Brilhantão e Vacaria, está sendo alterada, afetando todo o ciclo e fluxo hidrológico dessas drenagens.

Além disso, o biólogo aponta que as alterações no nível e fluxo da água dos rios afetam a biologia reprodutiva da maioria das espécies de peixes nativas da bacia do alto rio Paraná. Originalmente, esses rios tinham um fluxo constante, com cachoeiras e quedas d'água, e níveis de água que respeitavam os períodos de seca e chuva, mas com o fechamento das comportas, esse ciclo foi afetado, prejudicando reprodução das espécies.

“A ictiofauna nativa evoluiu nessas condições ao longo de milhões de anos. Entretanto, mudanças como as causadas pelo reservatório da UHE Engenheiro Sérgio Mota, com níveis baixos de água durante as chuvas e altos na seca, prejudicam significativamente a biologia dos peixes. Com níveis baixos de água, os peixes não se reproduzem, o que impede a renovação dos estoques pesqueiros, resultando em cardumes menores e mais frágeis”, aponta estudo da UFMS.

Outro ponto destacado é de que os peixes, servem de alimento para vários animais, incluindo jacarés, aves e mamíferos, além de serem fonte de sustento e renda para muitos pescadores artesanais. Quando os estoques pesqueiros diminuem, toda a cadeia alimentar é impactada, afetando diretamente as comunidades que possuem na pesca sua única fonte de renda.

Maria Antônia Poliano, presidente da Colônia de Pescadores Z-10, composta por mais de 600 pescadores de 22 municípios da região de Fátima do Sul, que vive da pesca na região há 45 anos, descreve a dramática situação enfrentada pelos pescadores devido ao fechamento das comportas da usina.

"As comportas estão fechadas desde 2020, abriram um pouco no início do ano de 2023, quando deu aquela chuvarada, aí fecharam. Por que que os nossos rios estão secos? É falta de chuva? 20% sim, mas o restante é por conta das comportas que estão fechadas”, explica a liderança.

Ela detalha como o fechamento das comportas impacta os rios afluentes do Rio Paraná. " O Ivinhema deságua no Paraná, então não adianta chover e encher os rios que ele abaixa o dobro do que estava abaixo. O Rio Dourado se encontra com o Brilhantinho e forma o Brilhantão. Aí o Brilhantão, bem lá para baixo, se junta com o Vacaria, forma o Ivinhema, que deságua no Paranazão. Como o Paranazão está seco, ele drena o Ivinhema, aí o Ivinhema drena os outros, é isso que está acontecendo”, explicou a pescadora”.


Com a situação cada dia mais alarmante, Maria Antônia destaca a luta dos pescadores para sobreviver da atividade na região. “Não tem como a gente navegar no rio. Se você coloca o barco é só para quebrar as hélices. A gente está lutando pelo meio ambiente, até porque peixe não vive fora d'água, ou a gente vai ter que se enfiar na lama para pegar bagre africano e cascudo. Nós pescadores estamos lutando para sobreviver, vendendo almoço para comprar janta”, lamentou.

Por fim, a representante dos pescadores alerta que nunca viu os níveis dos rios tão baixos na região. Ela enfatiza que não adianta os pescadores lutarem pela liberação de determinadas espécies de peixes enquanto os rios continuam a diminuir, a ponto de desaparecerem.

“A consequência de tudo são as comportas fechadas. A gente está lutando, nunca vimos esses rios desse jeito, estamos lutando para um plano de manejo das comportas, para que a gente possa ainda ter peixe, a gente possa sobreviver da pesca. Não adianta brigar por tamanho máximo, não adianta brigar pela pesca da piracanjuba, pela pesca do dourado híbrido, exótico, introduzido, se nós não temos mais água. Não tem não tem o porquê a luta tudo se nossos rios estão acabando”, finalizou.

CESP e  ONS - Em resposta a reportagem, a CESP (Companhia Energética de São Paulo) informou que desde 30 de março de 2024 tem operado com vazão mínima defluente reduzida na UHE Porto Primavera, seguindo determinação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e do Ministério de Minas e Energia. Segunda a companhia, a medida visa mitigar o risco de esgotamento dos reservatórios da bacia do Paraná devido a condições climáticas adversas, como períodos de estiagem, protegendo os reservatórios dos rios Grande e Paranaíba e garantindo a segurança energética do país.

Além disso, a CESP reforçou que a operação está em conformidade com um plano de trabalho aprovado pelo IBAMA, que inclui diretrizes para monitoramento ambiental ao longo de 100 km do rio Paraná, desde a jusante da UHE Porto Primavera até a foz do rio Ivinhema. Junto a isso, a CESP garantiu que equipes multidisciplinares especializadas em ecologia estão responsáveis pelo monitoramento contínuo e pela avaliação de possíveis impactos ambientais, e que não houve registros de evento críticos até o momento.

A companhia responsável pela hidrelétrica, informou que a população pode reportar qualquer ocorrência através dos canais de atendimento, incluindo o WhatsApp (11) 93032-6699, disponível para esclarecimentos e comunicação direta com a comunidade local.

A ONS também foi questionada sobre os critérios utilizados para a gestão da vazão de água e as medidas de mitigação adotadas para proteger o meio ambiente e as comunidades ribeirinhas. A entidade também se comprometeu a enviar um esclarecimento como retorno, mas até a publicação não houve a resposta.

UHE Engenheiro Sérgio Motta - Inaugurada em 1999, a a Usina Hidrelétrica de Porto Primavera - Engenheiro Sérgio Motta, possui a barragem mais extensa do Brasil, com 10,2 km de comprimento. Situada no Rio Paraná, entre os municípios de Rosana (SP) e Batayporã (MS), a usina possui 80% de seu lago no estado de Mato Grosso do Sul.

A UHE conta com 14 unidades geradoras e uma capacidade de 1.540 MW, de potência de geração de energia, o que suficiente para abastecer um complexo urbano como a Região metropolitana de Campinas.



(*) Matéria atualizada às 17h15 para acréscimo de resposta da CESP. 

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