Bloqueio similar ao da crise da água em SP causou seca extrema no Pantanal
Desastre ambiental resulta de falta de chuvas e queima de áreas para pecuária
Um fenômeno meteorológico natural similar ao da crise hídrica em São Paulo, que ocorreu entre 2014 e 2016, resultou na maior seca em 50 anos no Pantanal. Em 2020, o ecossistema foi devastado por incêndios, numa emergência ambiental resultante da falta de chuva e queima de área para pecuária. O ano passado foi de agonia para todos os viventes de uma das maiores zonas úmidas do mundo: animais, árvores e ser-humano.
Moradores ribeirinhos enfrentaram fogo, chuva de cinzas, enquanto o sofrimento de onças, macacos, jacarés, tamanduás foi eternizado em registros fotográficos que correram o mundo.
“A seca recente no Pantanal foi causada por um fenômeno que chamamos de bloqueio meteorológico, caracterizado pelo surgimento de uma área de alta pressão que impediu a formação de chuva em toda a região do Centro-Oeste da América do Sul. Consequentemente, a temperatura ficou muito alta, e a umidade relativa, muito baixa”, afirma José Marengo em entrevista à Agência Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Marengo é pesquisador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres) e coordenador do estudo “Seca Extrema no Pantanal Brasileiro em 2019-2020: Caracterização, Causas e Impactos”.
De acordo com o pesquisador, a combinação de falta de chuva com temperaturas altas e umidade relativa muito baixa levou ao aumento de risco de fogo.
“O fogo causado de um lado pelo ar mais quente e a falta de chuvas no Pantanal e de outro pelo queima de áreas para pecuária na região resultou no desastre ambiental que vimos no bioma”, diz José Marengo.
Parte da chuva do Pantanal, que em território brasileiro se espalha por Mato Grosso do Sul (65%) e Mato Grosso (35%), vem do transporte de ventos que partem do Atlântico Norte, entram na Amazônia, cruzam o bioma e seguem para o Centro-Oeste, onde está situado o bioma.
No entanto, a formação da área de alta pressão impediu que essa umidade vinda da Amazônia chegasse ao Pantanal e bloqueou a passagem de frentes frias do Sul para a região. “Esse fenômeno é natural e aconteceu de modo similar durante a seca em São Paulo, entre 2014 e 2016”, explica o pesquisador.
O estudo foi feito por pesquisadores do Cemaden, Inpe e Unesp (Universidade Estadual Paulista).
O fogo – De acordo com o estudo, nunca houve tantos pontos quentes entre janeiro e agosto como registrado em 2020. Foram 7.727 incêndios detectados, representando um aumento de 211% em relação ao mesmo período de 2019. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) monitora desde 1998 os incêndios no Pantanal.
Ainda de acordo com a pesquisa, os incêndios foram iniciados pela atividade humana, provavelmente para limpar terras para a agricultura. Já a queima do subsolo e o difícil acesso dificultam o controle.
O Pantanal teve acentuados períodos de seca entre 1962 e 1965 (36 meses) e 1967 a 1972 (62 meses). O último evento de seca começou em 2018 e ainda estava em curso no mês de dezembro de 2020 (34 meses).
De acordo com Marengo, ainda não é possível prever se o Pantanal enfrentará outras secas severas nos próximos anos.
“Não adianta chover agora, em março, no fim da estação chuvosa, e depois entre dezembro deste ano e fevereiro de 2022, por exemplo. Dessa forma, a estação chuvosa fica comprometida e aumenta o risco de elevação de focos de incêndio no Pantanal”, diz o pesquisador.
O lar – O bioma é casa de mais de 3.500 espécies de plantas, 300 espécies de peixes, 41 espécies de anfíbios, 177 espécies de répteis, 600 espécies de pássaros e mais de 150 espécies de mamíferos.
O Pantanal funciona como um grande reservatório, causando uma defasagem de até cinco meses entre as entradas e saídas, o chamado pulso das águas.