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Meio Ambiente

Com chuvas atípicas, Pantanal surpreende e transborda em beleza

Depois de enfrentar período de seca e grandes queimadas, bioma se transforma com ciclo de chuva fora de hora

Silvia Frias | 01/06/2023 08:02
As cores voltaram ao Pantanal, exuberância de fauna e flora na Serra do Amolar. (Foto: Viviane Amorim)
As cores voltaram ao Pantanal, exuberância de fauna e flora na Serra do Amolar. (Foto: Viviane Amorim)

O Pantanal está verde. O bioma que sofreu as consequências da seca iniciada em 2019, alcançando nível crítico em 2020, está mostrando para quem passa pela região de Mato Grosso do Sul a sua principal característica: a resiliência, que transformou o cenário, antes desolador, em paisagem de exuberância, com árvores frondosas em áreas alagadas.

“A gente está podendo dizer que é o ano que começa a quebrar esse período de seca”, resumiu o pesquisador da Embrapa Pantanal, Carlos Roberto Padovani.

A mudança pode ser vista na medição feita pela centenária régua de Ladário, instalada no alto da Bacia do Rio Paraguai: desde janeiro, gradativamente, o nível começou a subir e, em meados de abril, passou dos 3 metros, chegando a 3,52 metros registrados ontem (31). Antes, a última vez que alcançou algo semelhante foi em 2019, com nível máximo de 3,92 metros, em julho. No ano seguinte, não passou dos 2,10 metros e, em 2021, registrou até 2,94 metros.

Chuvas se estenderam e foram registradas até dentro do bioma. (Foto: Viviane Amorim)
Chuvas se estenderam e foram registradas até dentro do bioma. (Foto: Viviane Amorim)

O regime de chuvas é o que determina o nível dos rios e o fenômeno ocorre de forma atípica este ano. Padovani diz que, historicamente, as águas caem a partir de outubro e novembro, com picos nos meses de dezembro e janeiro. No máximo, até março.

“Este ano as chuvas atrasaram bastante; então, outubro, novembro e dezembro quase não choveu; começou, e muito, em janeiro, fevereiro, março e até abril”, disse o pesquisador. A tendência se mantém e, no acumulado de maio, o tempo instável continua: no mês, já foram registrados 53,4 milímetros, segundo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

As águas que transformaram o Pantanal desolador do período da seca e das queimadas não vieram das cabeceiras dos rios Paraguai, Cuiabá e São Lourenço. Influenciadas pelas chuvas de verão, formadas no chamado corredor de umidade, ou “rios voadores”, as localidades extravasam as águas que alimentam os rios do Pantanal nos meses seguintes.

Pesquisador da Embrapa Pantanal, Carlos Padovani, fala do ciclo das águas. (Foto: Juliano Almeida)
Pesquisador da Embrapa Pantanal, Carlos Padovani, fala do ciclo das águas. (Foto: Juliano Almeida)

Segundo Padovani, o bioma registra chuvas locais, o que também é incomum. “Historicamente, chove no planalto, fora do Pantanal; o corredor [de umidade] desceu mais, para dentro do Pantanal”.

O resultado pode ser visto à beira da BR-262, com árvores com folhagem misturada às piúvas, os ipês do Pantanal, que ainda persistem na região. A área, passando por Aquidauana e Miranda ainda sofreu influência das águas da bacia do Rio Miranda. O trecho da estrada parque também inundou, mas não teve uma gota do Rio Paraguai, até agora.

Não dá para citar um motivo para a chuva fora de hora. O pesquisador diz que há grande variabilidade natural, relacionado aos ventos, mudanças climáticas e,não se pode esquecer, da ação humana, a última, diluída no meio dos fatores. “A natureza não segue relógio, temos calendário para mais ou menos situar os ciclos, mas não dá para levar a ferro e a fogo”.

Persistência da decoada é fator de alerta, diz biólogo Sérgio Barreto. (Foto: Juliano Almeida)
Persistência da decoada é fator de alerta, diz biólogo Sérgio Barreto. (Foto: Juliano Almeida)

Se na seca o risco é das queimadas, no período das águas, o alerta é para inundações que possam atingir famílias ribeirinhas, invadir fazendas e prejudicar a criação de gado, por exemplo.

Porém, mesmo com transbordamentos ocasionais, Padovani acredita que o índice não deva ultrapassar de forma significativa os 4 metros, que é o nível de extravasamento, quando rio joga água fora da calha. A última supercheia foi registrada em 1988, quando o Rio Paraguai chegou a 6,64 metros. Depois disso o nível máximo alcançado foi em 2018, com média de 5,35 metros.

O biólogo do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), Sérgio Eduardo Barreto se surpreendeu com o volume das águas, mas também aponta fator preocupante. A decoada que dura curto período, inferior a um mês, persiste no Pantanal.

Em épocas de seca, barrancos de terra eram vistos ao longe; hoje, a água toma conta da paisagem. (Foto: Juliano Almeida)
Em épocas de seca, barrancos de terra eram vistos ao longe; hoje, a água toma conta da paisagem. (Foto: Juliano Almeida)

O fenômeno é natural, acontecendo a partir da decomposição intensa das bactérias e sedimentos, que consome o oxigênio dissolvido na água, causando a morte dos peixes e prejudicando ribeirinhos, já que a água fica imprópria para o consumo. O IHP monitora os rios desde a região do Mato Grosso e, segundo Barreto, ainda tem água para descer.

Seca em 2020 provocou grandes queimadas e mortandade de animais. (Foto/Arquivo/Chico Ribeiro)
Seca em 2020 provocou grandes queimadas e mortandade de animais. (Foto/Arquivo/Chico Ribeiro)

Mesmo sob o alerta, o biólogo diz que o sentimento é de felicidade depois do que o Pantanal passou, quando o bioma teve 26% da área afetada pelo fogo, o que representa 3.909 milhões de hectares. A estimativa é de que 16,9 milhões de animais vertebrados foram mortos, fora os atingidos posteriormente, por conta da falta de alimentos.

“É como se o ecossistema estivesse sofrendo alterações, os ciclos estão se readequando a esse novo momento; a gente observa, tenta aprender e entender o que está acontecendo”.

Segundo estimativa da Embrapa Pantanal, nível do Rio Paraguai deve ficar, em média, em 4 metros. (Foto: Viviane Amorim)
Segundo estimativa da Embrapa Pantanal, nível do Rio Paraguai deve ficar, em média, em 4 metros. (Foto: Viviane Amorim)
Mudança de ciclo é decorrente de vários fatores e mostra resiliência do bioma. (Foto: Viviane Amorim)
Mudança de ciclo é decorrente de vários fatores e mostra resiliência do bioma. (Foto: Viviane Amorim)


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