Com radares, BR-262 deixou de ser uma ameaça à fauna pantaneira
A demora do governo em adequar a rodovia BR-262, no trecho Aquidauana-Corumbá (294 km), como uma área de uso comum entre homens e animais, causou forte impacto na fauna do Pantanal com alto índice de mortalidade de vertebrados por atropelamento, suscitando inclusive teses de doutorado em ecologia. Entre 1997 e 2003, registrou-se 1.400 atropelamentos de 88 espécies por ano.
A implantação asfáltica do último trecho da rodovia que começa no Espírito Santo – os 230 km entre Miranda e Corumbá – deu-se em meados da década de 1980. Porém, se passaram mais de 30 anos para que, com a interveniência do Ministério Público, Ibama e de entidades ambientalistas, se implantasse uma gestão ambiental com plano de manejo silvestre e revitalização no trecho de maior conflito com a natureza.
A instalação de 20 radares em pontos de maior incidência de atropelamentos, definidos por meio de monitoramentos, a partir de 2012, reduziu em mais de 60% os acidentes com morte de animais. A construção de acostamentos, a limpeza da densa vegetação (que atrapalha a visibilidade do motorista) sobre o aterro da pista e a colocação de grades de proteção metálica lateralmente também contribuíram para poupar a abundante fauna da região.
Atenção ao volante
Quem trafega pela rodovia cruzando o Pantanal percebe a queda no número de animais atropelados, apesar do aumento do fluxo de veículos, principalmente carretas. Uma das principais vítimas da imprudência e do excesso de velocidade era o lobinho-guará (Chrysocyon brachyurus), que deixou de aparecer no topo das estatísticas. Capivara, anta e tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) hoje lideram a lista de mortes.
Eventualmente, se observa o atropelamento de uma onça-pintada (Panthera onca), jaguatirica (Leopardus pardalis), jacaré-do-pantanal (Caiman yacare) e cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus), o que era comum anteriormente ao funcionamento do sistema de redutores de velocidade. Aves que procuram alimentos na pista, como o carcará ou carancho (Caracara plancus), também se chocam com os veículos.
Contribuiu para essa incidência menor a melhoria da sinalização horizontal da rodovia, permitindo uma visão noturna mais perceptível. Contudo, dirigir nessa estrada requer muita atenção, seja durante o dia ou a noite. A rodovia corta banhados e a travessia de animais é frequente, às vezes em bandos, como as capivaras e seus filhotes. Animais domésticos também podem provocar um acidente mais grave.
Rodovia era ameaça
O monitoramento e controle de atropelamentos da fauna na 262 era cobrado pelos setores ambientalistas desde a implantação do acesso à Corumbá. Um dos primeiros pesquisadores a levantar os números alarmantes de mortes na rodovia foi o biólogo Wagner Fischer, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Ele defendeu a tese “Efeitos da rodovia na mortalidade de vertebrados”, em 1997.
Fischer apresentou números preocupantes à época: entre maio de 1996 a novembro de 1997, a lista de atropelamentos incluía 1.402 mamíferos, aves, répteis e anfíbios, totalizando 84 espécies. Destas, seis estão ameaçadas de extinção: o cervo-do-pantanal, a onça-pintada, o lobo-guará, o tamanduá-bandeira, a lontra e a jaguatirica. Em 1990, a taxa de mortalidade era de 16,8 atropelamentos/mês, atingindo 105 em 1997.
Diante dessa complexa e triste realidade pesquisadores da Embrapa Pantanal chegaram a propor alternativas para reduzir a mortandade e tornar a área de uso partilhado entre homens e animais. Os biólogos Agostinho Catella e Guilherme Mourão e o veterinário Walfrido Tomás formularam a implantação da estrada ecológica por meios e equipamentos posteriormente instalados pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Um caminho natural
“A BR-262 é um caso privilegiado, pois atravessa uma região escassamente povoada e que apresenta muitas áreas em condições naturais de preservação”, observam os pesquisadores. “A estrada cruza o habitat natural de muitas espécies nativas, tanto na planície de inundação como no planalto e, consequentemente, intercepta a área de vida de muitos animais, especialmente porque a paisagem natural está bastante preservada”, completam.
A partir de 2011, por conta das exigências da licença ambiental para mudar a concepção viária da estrada ecológica, o Dnit criou um programa de monitoramento de atropelamentos de fauna conduzido pelo Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (I|TTI), da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Naquele ano, a espécie com maior registro de ocorrências (16,32%) era o lobinho.
O estudo do ITTI foi fundamental para que o Dnit assumirá a 262 como uma via especial que cruza um dos maiores ecossistemas do planeta. Até então, a incidência de choques de animais com veículos ainda era alta: entre junho de 2011 e maio de 2012, 610 animais morreram no trecho Anastácio-Corumbá, enquanto no outro lado da rodovia, entre Campo Grande e Três Lagoas, registrou-se 210 atropelamentos ao ano.
Novo monitoramento
Além da instalação dos dispositivos eletrônicos para proteção da fauna, o órgão federal construiu acostamentos, posicionou guard-rail em pontos de travessia de animais e mantém o corte da vegetação nas margens. Dois anos depois, segundo o ITTI, apurou-se três atropelamentos/dia. Já em 2015, um dado animador: a incidência caíra 59% a partir de uma distância de 500 metros dos radares, que limitam a velocidade em 80 km/h.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, o abuso de velocidade é ainda uma das principais causas da ocorrência de atropelamentos de animais silvestres e domesticados na via. O desrespeito à sinalização que regulamenta a velocidade, segundo o órgão, incide sobre o maior número de infrações. A PRF divulgou estatísticas apontando seis atropelamentos de animais entre janeiro e agosto desse ano. Em 2017, foram 26 no período.
Para se tornar uma rodovia ecológica de fato, contudo, esse trecho da BR-262 necessita ainda de outras adequações, como a instalação de túneis para passagem dos animais. Trata-se, na realidade, de um assunto novo na cultura ambiental brasileira, conforme admite o Ibama. Mas, houve claros avanços nos últimos anos e o Dnit deve retomar o monitoramento de atropelamentos da fauna em convênio com a UFMS.