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Meio Ambiente

Fogo matou mais de 17 milhões de animais no Pantanal, estimam pesquisadores

Vale lembrar que Mato Grosso do Sul contém mais da metade do bioma pantaneiro em seu território

Guilherme Correia | 14/09/2021 13:29
Fotografia premiada, que simbolizou destruição no Pantanal, mostra macaco morto por incêndio; ao menos, 457,7 mil primatas morreram no Pantanal, em 2020, segundo pesquisa. (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)
Fotografia premiada, que simbolizou destruição no Pantanal, mostra macaco morto por incêndio; ao menos, 457,7 mil primatas morreram no Pantanal, em 2020, segundo pesquisa. (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)

Pelo menos 17 milhões de animais podem ter morrido no Pantanal, durante o ano de 2020, por ação direta ou indireta do fogo, entre aves, pequenas cobras e até peixes. Vale lembrar que Mato Grosso do Sul responde por mais da metade do bioma pantaneiro, cerca de 65% do total.

Isso é o que mostra estudo feito por 30 pesquisadores de órgãos públicos, universidades e organizações não-governamentais, que estima que desses, quase nove milhões de óbitos foram de cobras aquáticas, principais vítimas da ação do fogo.

O trabalho científico ainda não foi publicado e segue sob avaliação de outros acadêmicos no periódico cientifico Scientific Reports, para o qual foi submetido. A estimativa foi feita com base no período de agosto a novembro do ano passado - que teve índice recorde de destruição, de aproximadamente 4 milhões de hectares (26% de toda a área).

Mais de 237,3 mil jacarés podem ter morrido pelo fogo, em 2020, aponta pesquisa, que se baseou na carcaça das espécimes atingidas. (Foto: Reprodução/Camaisul)
Mais de 237,3 mil jacarés podem ter morrido pelo fogo, em 2020, aponta pesquisa, que se baseou na carcaça das espécimes atingidas. (Foto: Reprodução/Camaisul)

Os próprios pesquisadores entendem que pode haver uma subnotificação em alguns grupos de animais, já que alguns se abrigam em tocas ou árvores, ou são tão pequenos que não têm sua carcaça totalmente calcinada pelo fogo, ainda que possam ter morrido da mesma forma.

“É preciso lembrar que muitos animais morreram vários dias ou até semanas, após os incêndios, seja por queimaduras que não os mataram imediatamente, seja por fome e outros fatores indiretamente relacionados com os incêndios”, explica o pesquisador da Embrapa Pantanal e coordenador deste estudo, Walfrido Moraes Tomas, ao Campo Grande News.

Ou seja, diz, o impacto é ainda muito maior que estimado pela pesquisa. “Se considerarmos ainda que o estudo não incluiu invertebrados (insetos, aracnídeos, etc), porque são completamente calcinados, podemos ampliar em muito a percepção dos impactos que o fogo causou no ecossistema, já que esses animais têm funções essenciais, como polinização, dispersão de sementes, ciclagem de nutrientes no solo, etc”.

“Muito disso deve ter sido perdido nas áreas queimadas e não sabemos como a recuperação vai se dar nem quanto tempo isso vai levar, em função do desconhecimento existente sobre esta fauna”.

Preservação - A biodiversidade do Pantanal é composta por mais de 2 mil espécies de plantas, 269 peixes, 131 répteis, 57 anfíbios, 580 aves e pelo menos 174 mamíferos. O número de invertebrados é desconhecido. Grandes vertebrados como cervos, veados, antas e onças não foram observados, por conta da baixa densidade populacional dessas espécies no Pantanal.

O levantamento dividiu tais espécies em dois grupos, de acordo com o tamanho da carcaça: pequenos vertebrados (menos de 2 kg), como anfíbios, pequenos lagartos, cobras, pássaros e roedores; e médios para grandes vertebrados (2 kg ou mais), como queixadas, capivaras, mutuns, grandes cobras, tamanduás e primatas.

Para Tomas, há dois fatores que influenciam na situação do Pantanal. Um deles, a seca e o calor se relacionam com mudanças climáticas vividas por todo o mundo. “Isso já é conhecido e é uma consequência de fatores em escala global, como a emissão de carbono pelo conjunto de países”.

No entanto, na escala continental, ele destaca a redução na produção de água pela floresta amazônica, seja por menor evaporação relacionada à seca e queima, assim como a diminuição da área de floresta, feita pelo desmatamento. “Na escala regional, temos o desmatamento de cabeceiras na Bacia do Alto Paraguai, com muita erosão e assoreamento dos rios, drenagem das áreas úmidas dos planaltos e o represamento de rios por usinas hidrelétricas. Esses fatores, em conjunção, afetam de alguma forma o comportamento hidrológico da bacia hidrográfica e, como consequência, do Pantanal”.

Na escala local, temos o uso incorreto do fogo, que gera os incêndios. Assim, a sinergia entre todos esses fatores, que são indissociáveis, leva à catástrofe que temos observado”.

Tomas destaca que é impossível reverter totalmente os efeitos das mudanças climáticas globais, ainda que esses efeitos possam ser reduzidos. “Isso inclui a recuperação de bacias hidrográficas, de áreas de APP, de áreas de recarga de aquíferos, de conservação do solo e, em especial o uso correto do fogo, são fundamentais para amortecer os efeitos nefastos sobre o Pantanal”.

“O fogo não pode ser eliminado de ecossistemas de savana, como o Pantanal e o Cerrado, mas seu uso incorreto, na época errada, na frequência errada, e em ambientes errados, são nefastos. É preciso então políticas públicas condizentes e muito esclarecimento de proprietários rurais e usuários do Pantanal para os cuidados referentes aos riscos de incêndios”, ressalta o pesquisador.

O trabalho ainda destaca que o Estado tem política própria de redução de incêndios, enquanto o estado vizinho, Mato Grosso, ainda desenvolve conjunto de leis específicas para esse bioma.

Há também animais atingidos indiretamente pelo fogo, que nem entram nessa contagem. (Foto: Reprodução/Semagro)
Há também animais atingidos indiretamente pelo fogo, que nem entram nessa contagem. (Foto: Reprodução/Semagro)

Pesquisa -  Estiveram envolvidos cientistas da Embrapa Pantanal, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), INPP (Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal), UFMS (Universidade do Mato Grosso), UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Fundação Meio Ambiente do Pantanal, Instituto Smithsonian, além de outras instituições.

Houve também suporte de ONGs como a WWF Brasil, ONG Panthera e Instituto Homem Pantaneiro, Ecoa (Ecologia e Ação), Museu Paraense Emílio Goeldi, além da Semagro (Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul) e da colaboração de voluntários.

Com metodologia inédita para contabilizar animais mortos por incêndio, o cientista Walfrido Moraes Tomas explica que para calcular a quantidade de mortes, foram utilizados os “transectos”, que são trilhas em linha reta, em áreas pré-determinadas pelos focos de incêndio no bioma.

“A metodologia utilizada se baseia na premissa de que ninguém é capaz de achar todos os animais numa determinada área, especialmente porque quanto mais longe da linha onde está o observador, menor a chance de enxergar uma carcaça quando ela está presente”.

Cada linha percorrida tinha entre 500 metros e três quilômetros, e foram percorridos 114 km de transectos. “Esta metodologia é amplamente aceita e utilizada para levantamento de populações de animais, inclusive no Pantanal, mas nunca havia sido usada para contar animais mortos por incêndios”, finaliza.

Nestes trajetos lineares, as carcaças avistadas eram registradas com datas e coordenadas geográficas, assim como a distância perpendicular de cada uma delas em relação à linha de referência. Quanto mais longe do transecto, menor a quantidade de animais encontrados.

Com isso, conhecendo o “comportamento” dessa probabilidade, foi elaborado modelo estatístico para fazer a estimativa de carcaças presentes na área, de forma a estimar o total de vítimas.

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