Marcado para morrer, Lago do Amor repete sina de lagos do Sóter e Rádio
No Lago do Amor, se encontram as águas dos córregos Cabaça e Bandeira, que cortam região fortemente urbanizada
A expressão “#vergonha” gravada no banco de areia que avança no lago do Parque das Nações Indígenas não teria espaço para ser escrita no espelho de água dos lagos do Sóter e do Rádio Clube. Para eles, a morte já chegou.
Cobertos por sedimentos e tomado por vegetação, restam memórias dos patos, passeio de pedalinhos e o ruído da água que vai rareando. A mesma sina é traçada para o Lago do Amor, com data marcada para morrer: 2036.
Localizado no campus da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), o Lago do Amor nasceu na década de 1970 para fins contemplativos. Sem dados sobre extensão e volume, o reservatório passou a ser monitorado em 2008 pelo grupo de pesquisa HEroS (Hidrologia, Erosão e Sedimentos). Desde então, o triste destino do Lago do Amor passou a ser contado também em números.
As projeções sinalizavam que o lago acabaria em 2040 ou 2042, mas a medição de novembro de 2018 mostra que a situação se agravou e o fim está previsto em 17 anos. De acordo com a engenheira ambiental e mestranda Maria Eduarda Alves Ferreira, a área era de 96.354 m² (metros quadrados) e o volume chegava a 199.225 metros cúbicos em 2008.
Em novembro do ano passado, o resultado foi de 58.913 metros quadrados de área e 125.558 metros cúbicos de volume. “Teve um volume muito maior de sedimentos. A gente estima 39% de perda de área e o volume de água teve redução de 37%”, diz a pesquisadora.Em 2014, a profundidade chegava a 4,5 metros. Atualmente, são 4,3 metros, com perda de 20 centímetros.
Maria Eduarda explica que o assoreamento é um processo natural em córregos e rios. Ou seja, a água carrega os sedimentos que vão se depositando nas partes mais baixas. Contudo, dentro da cidade, o processo é potencializado pelo adensamento urbano.
No Lago do Amor, se encontram as águas dos córregos Cabaça e Bandeira, que cortam região fortemente urbanizada.
Cabaça passa por bairros como Vilas Boas, Jardim TV Morena e Jardim Paulista. Enquanto o Bandeira corta bairros como Tiradentes e Rita Vieira, esse último com acelerada expansão imobiliária.
Para salvar o lago, são necessárias ações como manter vegetação nas margens, áreas permeáveis nos terrenos e não jogar lixo nos córregos. Um recurso também é a dragagem, mas que envolve grandes despesas.
Depois de passar pelo Lago do Amor, que agora também funciona como uma piscinão para conter enchente, o córrego segue com nome de Bandeira até o rio Anhanduí.
Contudo, pelo menos por enquanto, o mirante do lago segue com seu efeito contemplativo, com vista para capivaras, aves, jacarés e pôr do sol.
Passado e pedalinhos – O futuro do Lago do Amor pode ser encontrado a curta distância no lago do Rádio Clube Campo, na Spipe Calarge. Por lá, o cenário já é de muita terra e pouca água. Ou seja, o reservatório é asfixiado pelos sedimentos e o córrego perde o volume, ficando com pouca quantidade de água.
O lago do clube também é da década de 1970, represando água do córrego Bandeira, e o assoreamento se agravou com o prolongamento da avenida Bom Pastor.
Em 2012, chegou a ser anunciado um projeto de revitalização pela direção do Rádio Clube, com investimento de R$ 400 mil. A meta era recuperar os 3.500 metros quadrados de área, que naquele ano não passava de mil metros quadrados. Mas, a área acabou cedida para que a prefeitura de Campo Grande realizasse as obras.
“Em 2013, logo que assumi, o prefeito Alcides Bernal a prefeitura me procurou para fazer a servidão do Lago do Rádio, que passou a ser um bem da prefeitura e ela ia conduzir essa revitalização. Mas a prefeitura fez uma obra só contra a enchente e mais nada”, afirma Othon Rodrigues Barbosa Sobrinho, ex-presidente do Rádio Clube.
De acordo com o atual presidente do Rádio Clube, Renato Antônio Pereira de Souza, o termo de ajuste com o poder público tinha validade por cinco anos. O prazo venceu em 2018, a obra não veio e agora o clube pode recorrer à iniciativa privada.
Neste modelo, o parceiro faz a obra de revitalização e, em contrapartida, ganha direito de explorar dependências do clube, que conta com a sede campo, na avenida Interlagos, onde fica o lago, e na a sede cidade, no Centro de Campo Grande.
De acordo com a prefeitura, a tentativa de incluir a revitalização do lago no PAC Cabaça (Programa de Aceleração do Crescimento) foi vetada pela Caixa Econômica Federal por ser área particular. Na época, o custo do serviço foi orçado em R$ 800 mil.
Patos e perigo – Na Mata do Jacinto, o lago do Parque do Sóter virou lembrança. “Vim na inauguração, tinha patos nadando no lago. Realmente, hoje ele está assoreado”, afirma o professor aposentado Nelson Barbosa Francisco, 68 anos.
No parque, enquanto um espelho se forma na entrada com a água parada da chuva, o lago é um ruído distante. A ponte de madeira está interditada, com tábuas faltando não há como fazer a travessia.
Embaixo da estrutura, a vegetação se avoluma e engole o que já foi lago. Segundo a prefeitura de Campo Grande, será executada ação de drenagem e contenção da erosão com recursos alocados no projeto Complexo Mata do Jacinto. Não foi informado o custo do projeto.
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