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Meio Ambiente

TJ arquiva 12 ações contra fazendas e poder público paga 56% do custo em acordo

Pacote inclui processo contra drenos e sobre lama que tingiu de marrom o Rio da Prata

Aline dos Santos | 12/04/2023 10:56
Famoso pelas águas tranquilas, Rio da Prata foi tomado pela lama em novembro de 2018. (Foto: Reprodução)
Famoso pelas águas tranquilas, Rio da Prata foi tomado pela lama em novembro de 2018. (Foto: Reprodução)

A Justiça arquivou 12 ações (valor de R$ 16,8 milhões) contra fazendas denunciadas por dano ambiental em Bonito, a 257 km de Campo Grande, e liderou acordo de R$ 3,2 milhões entre pode público e fazendeiros, em que governo e prefeituras arcam com 56% do valor.

O pacote de arquivamentos inclui processos como dos drenos no brejão do Rio da Prata (ação com valor de R$ 15 milhões) e contra donos de propriedades rurais multadas em R$ 400 mil no episódio, de novembro de 2018, em que a lama tingiu de marrom o Prata, curso de água entre Bonito e Jardim apreciado por ser cristalino.

Os arquivamentos em série, formalizados na manhã de 30 de março pelo juiz Milton Zanutto Junior, da 1ª Vara de Bonito, são decorrentes de acordo encabeçado pelo TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Desde maio de 2019, o desembargador Alexandre Bastos centralizou os processos e participou de reuniões em busca de conciliação.

“Registrando que o presente processo carrega na sua essência muito mais que uma demanda entre os proprietários/produtores e o parquet estadual [Ministério Público], eis que tem por tema central a preservação de um dos maiores ativos ambientais do Estado, mais uma vez decido lançar mão do caminho da conciliação e da busca da efetividade da atuação jurisdicional. Em jogo, portanto, a transparência das águas de Bonito”, informou despacho do desembargador, naquele maio de 2019.

Quatro anos depois, no último dia 27 de março, foi definido que haverá rateio do valor de R$ 3,2 milhões, conforme prevê a planilha de orçamento do Projeto Piloto do Rio da Prata em Bonito e Jardim. Do total, mais da metade será suportada pelos cofres públicos: R$ 983 mil do governo do Estado e R$ 840 mil dos municípios.

Planilha anexada a processo mostra como será rateio entre poder público e particulares. (Foto: Reprodução)
Planilha anexada a processo mostra como será rateio entre poder público e particulares. (Foto: Reprodução)

Os proprietários rurais vão arcar com R$ 1,4 milhão. De acordo com o desembargador, a única forma de rateio dos valores constante da planilha, para que se efetive a proporcionalidade e a razoabilidade,  é que ele seja aplicado de forma proporcional à extensão, na área de cada um, do impacto ambiental de cada uma das partes.

“Assim, se a extração ilegal de madeira da Fazenda ‘X’ ocorre, a título ilustração, em 3 hectares e, sendo o dano ambiental total (de todos os imóveis), de 100hectares, então, o valor a se rateado para a Fazenda "X" será apurado por simples conta aritmética (3%)”, informa Bastos.

Contudo, o percentual de dano de cada imóvel ainda será apresentado pela Câmara Técnica de Conservação de Solo e Água.

“Por fim, o objeto da junção neste recurso de vários integrantes de outras ações ambientais (conexos) objetivou a composição de fundo para que haja recomposição dos danos ambientais na área impactada (sub bacia do Rio da Prata),então, resta a extinção destas ações por carência da ação superveniente, pois os danos postos nas ações compõem o próprio mérito deste acordo, mediante o  Projeto presentado pela Câmara Técnica, de forma que esgota o objetivo buscado pelo combatente Ministério Público Estadual, atuante na Comarca de Bonito”, aponta o desembargador.

Na sequência, Alexandre Bastos destacou a sensibilidade do Ministério Público, autor das ações por dano ambiental. “Aliás, registro próprio e especial ao Ministério Público atuante no caso, que demonstrou profunda sensibilidade com o meio ambiente, sem abrir mão do controle legal a que todos estão submetidos. Apresenta-se nas ações sob resolução, a verdadeira face do Ministério Público Resolutivo, marca maior do MPMS”.

Por fim, o desembargador determinou que a Câmara Técnica elaborasse a planilha de rateio e que seja definida, de preferência entre as entidades que estão na ação como amicus curiae, qual será a responsável por gerir o fundo.

Amicus curiae (amigos da corte) é uma expressão utilizada para designar o terceiro que ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador.

A lista de “amigos da corte” neste processo tem o Iasb (Instituto das Águas da Serra da Bodoquena), Fundação Neotrópica do Brasil, Famasul (Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul), Assembleia Legislativa e Fiems (Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul).

Rio da Prata em dia de águas claras. (Foto: Institituto Amigos do Rio da Prata)
Rio da Prata em dia de águas claras. (Foto: Institituto Amigos do Rio da Prata)

Os drenos – Mais uma vez apontados como risco ao Rio da Prata (leia aqui), desta vez pelo aspecto leitoso da água, os drenos para secar a área de banhado foram discutidos durante as audiências de conciliação.

Em 2018, o Campo Grande News noticiou a preocupação do Ministério Público e de órgãos ambientais com o recurso localizado na Fazenda São Francisco.  Os 46 quilômetros de drenos para secar a área de banhado, propiciando o uso para agropecuária, foram descobertos em 2016 pela PMA (Polícia Militar Ambiental), que aplicou multa de R$ 10 milhões. A situação foi levada à Justiça pela promotoria, mas, agora, entrou no pacote de arquivamentos.

O brejão do Rio da Prata é uma área úmida no limite entre Bonito e Jardim. Com 5 mil hectares, abrange várias fazendas e funciona similar ao rim, filtrando os sedimentos.

O processo mostra que durante a etapa de audiências os drenos passaram longe de ser consenso, mas nem sempre apareceram como vilões. Um servidor do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS) afirmou que simplesmente tampar os drenos no banhado não é solução e lembrou que o próprio governo, antigamente, estimulava o uso de áreas alagadas, tornando-as produtivas. Outro servidor do instituto, que é engenheiro, disse que drenar sem respeito ao sistema natural é impor uma produção “na marra”, contrária à aptidão do local.

O Ministério Público questionou se os drenos prejudicam ou se já estão incorporados ao bioma. A resposta da câmara técnica, por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, é de que um estudo deve abranger a necessidade ou não de aterramento dos drenos. E, em caso de fechamento, seria preciso definir a técnica para causar o mínimo impacto ao equilíbrio ambiental da região.

A então Semagro, atual Semadesc (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), destacou que era preciso encaminhar o acordo de forma rápida porque traria mais benefícios ao meio ambiente.

Já laudo de perícia técnica anexado pela Fundação Neotrópica do Brasil, apontou que, atualmente, os drenos são um dos principais causadores de danos ambientais na qualidade da água no Rio da Prata.

Fotografia de dreno anexada ao processo que tramitava em Bonito. (Foto: Reprodução)
Fotografia de dreno anexada ao processo que tramitava em Bonito. (Foto: Reprodução)

“Além disso, o não fechamento dos drenos tem diminuído a área do banhado, isto é, o banhado está secando, têm causado o turvamento dos rios devido ao carreamento de solo para os cursos d’água, rebaixamento do lençol freático e erosão”, diz o relatório.

No ano de 2018, a defesa do proprietário da Fazenda São Francisco informou que os drenos foram feitos por serem plenamente regular, com boa fé e sem nenhum intuito de cometer crime ambiental.  A reportagem não conseguiu novo contato com a defesa.

A lama no Rio da Prata – Em dezembro de 2018, após o turvamento das águas do Rio da Prata, a Justiça de Bonito determinou bloqueio de R$ 400 mil dos proprietários das fazendas Monalisa e Rio Grande. Na ocasião, foi apontado que a ausência de curvas de níveis durante o manejo do solo para o plantio de soja carrearam os sedimentos que sujaram as águas do rio.

Os fazendeiros recorreram da decisão e o bloqueio dos R$ 400 mil foi derrubado pelo desembargador Alexandre Bastos em 15 de dezembro daquele ano. A defesa apontou que ao proprietário e arrendatário de somente duas fazendas de toda a microrregião com declividade a desaguar no Rio da Prata, com área total estimada de 4.500 hectares, foram imputadas toda a responsabilidade pelo turvamento das águas, e “por pouco, não também pelas próprias chuvas ocorridas no local”.

A defesa dos representantes das fazendas Monalisa e Rio Grande destacou que a decisão do desembargador Alexandre Bastos está fundamentada na legislação em vigor e tem a singularidade de atingir uma solução para o caso, com custos compartilhados entre poder público, responsável pelas estradas, e proprietários rurais.

“O desembargador, usando do que a lei já autoriza, sem nenhuma invenção,  deu efetividade à legislação. Ele fez várias reuniões públicas e atuação da Justiça foi para resolver o problema. Disse, olha produtor rural, você tem sua parcela de responsabilidade, mas o poder público tem parcela de responsabilidade também”, diz o advogado Gervásio Alves de Oliveira Júnior.

A defesa destaca que em vez do litigio e multas, buscou-se a resolução do problema e que a decisão servirá de paradigma.

No processo, o advogado entrou com um recurso para que a Justiça considere no rateio, a ser apurado, as obras já executadas por cada proprietário. “A fim de que estes não sejam impelidos em arcar em duplicidade para a resolução da celeuma que se instaurava. A fim de que o espírito conciliatório que originou o presente procedimento seja até o final seguido com a atuação mútua de todas as partes”.

O advogado também   pede que a decisão seja republicada trazendo a informação de que o acordo se trata de resolução de mérito.

“Não havendo resolução definitiva do conflito não haveria benefício para nenhuma das partes em transacionar, sendo de rigor que, para que esta venha ter a efetividade que se espera, seja o feito resolvido em seu mérito, pondo fim definitivo a discussão presente nos autos por meio da transação ora homologada”, informa a defesa.

A Justiça ainda não se manifestou sobre os recursos apresentados no dia 5 de abril.

Processos arquivados 

Fazenda São Francisco

A promotoria denuncia a construção ilegal de 46 quilômetros  de drenos. Valor da ação: R$ 15 milhões.

Fazendas Monalisa e Rio Grande 

Multadas em R$ 400 mil no ano de 2018 por falta de curvas de níveis, que levou lama ao Rio da Prata.

Fazenda Ceita Corê 

Denúncia de desmatamento de 24 hectares sem a devida autorização ambiental. Valor da ação: R$ 25 mil.

Fazenda Gramado

Polícia Militar Ambiental identificou 2.136 metros de dreno sem autorização ambiental. Valor da ação era R$ 1 milhão.

Fazenda Palmares do Peixe

Denúncia de desmatamento de 1,7 hectare de vegetação nativa em área de preservação permanente sem autorização. Valor da causa: R$ 20 mil.

Fazenda Santa Tereza 

PMA identificou supressão de 0,6 hectare de floresta nativa em APP (Área de Preservação Permanente). Valor da ação: R$ 20 mil.

Fazenda Varjão 

PMA identificou as seguintes irregularidades: falta de área de preservação permanente em curso de água, gado circulando livremente em área de preservação permanente, processo erosivo (3 metros de profundidade, 4 metros de largura e 12 de comprimento). Valo da ação: R$ 200 mil.

Fazenda Ceita Corê 

Denúncia de desmatamento de 1,7 hectare sem autorização. Valor da ação: R$ 20 mil.

Fazenda Fortaleza 3 Irmãos 

Denúncia de desmatamento de 55 hectares de vegetação nativa. Valor da ação: R$ 65 mil.

Fazenda Nossa Senhora Aparecida 

Denúncia por supressão de 50 aroeiras sem licença ambiental e supressão de 7 hectares de vegetação sem autorização. Valor da ação: R$ 60 mil.

Fazenda Santa Rita

PMA flagrou corte ilegal de 25 aroeiras e 10 angicos. Valor da ação: R$ 27.863.

Fazenda São José

Imasul identificou supressão de 44 hectares. Valor da ação: R$ 44 mil.

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