Nas urnas de MS, 71 candidatos "ficaram pretos" desde as últimas eleições
No geral, 728 candidatos mudaram declaração de cor para a disputa de 2020
Neste ano, 2526 candidatos estão de volta às eleições municipais em Mato Grosso do Sul, para reeleição ou não. Mas o que chama a atenção é que 29% mudaram de cor nas urnas. Especificamente 71 antes se apresentavam como brancos e pardos e agora aparecem como pretos.
A alteração ocorre em um ano em que negros ganharam direito à distribuição de verbas públicas para financiamento de campanha, além de tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em patamares mínimos e proporcionais.
A declaração é feita para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e é dividida em cinco categorias, conforme estipulado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): brancos, pardos, pretos, indígenas e amarelos. Ao todo, 728 mudaram declaração de etnia, em comparação ao que haviam declarado em 2016. Dentre todos os que mudaram, a maior alteração foi vista de brancos para pardos - foram 326 candidatos.
Eram brancos - Maioria no Estado, segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dos 1422 candidatos que se declararam brancos em 2016, 1056 mantiveram declaração. Apesar disso, sete se recadastraram como amarelos e 326 ficaram pardos. A mudança mais radical foi de 11 que se declararam brancos e agora, em 2020, aparecem como pretos.
A pós-doutora em Política Educacional, Bartolina Ramalho Catanante, enxerga com bons olhos que mais pessoas podem estar se identificando com a "negritude", do ponto de vista da militância racial-social. Apesar disso, ela frisa que essa inserção não deve ser feita de "forma oportuna".
Quando discutimos cotas nas universidades, Alguns viram que teriam benefícios a mais e passaram a se identificar como negros. Quase como se 'em determinado momento é importante se declarar como negro e em outros não é importante'", diz a pesquisadora.
11 que eram brancos em 2016 se declararam pretos em 2020:
- Neide Araújo (PT) em Bataguassu.
- Dr. Anderson Marques (PSDB) em Corguinho.
- William Will (PTB) em Batayporã.
- Adair Tiago (PSDB) em Costa Rica.
- Walter Hora (PSDB) em Dourados.
- Juarez (PTB) em Paranhos.
- Diu (PSDB) em Itaquiraí.
- Lodival José de Moraes (REDE) em Terenos.
- Valdemir Gregório (PTB) em Nova Alvorada do Sul.
- Vera Lúcia (DEM) em Paranaíba.
- Cirley Farias (PT) em Amambai.
Valdemir Gregório, atualmente candidato pelo PTB em Nova Alvorada do Sul, foi registrado nas eleições de 2016 como branco, mas deve concorrer agora como preto. Ao Campo Grande News, justifica que "outra pessoa deve ter colocado".
Em Batayporã, o presidente do diretório municipal do mesmo partido, Amim Peres Ibrahim, fala sobre o candidato William Will. Segund ele,nas eleições passadas "outra pessoa colocou informações, mas nessa [2020] foi mais organizada e o próprio candidato inseriu".
Conforme assessoria regional do DEM (Democratas), do qual Vera Lúcia é candidata em Paranaíba, foram relatados alguns problemas no registro de filiação de algumas pessoas. "Entramos em contato diversas vezes com o TRE e TSE para resolver questões pontuais como filiações antigas que desapareceram, ou desfiliações que não haviam sido solicitadas. Os casos que ficamos sabendo foram resolvidos um a um".
Eram pardos - Entre os 881 pardos das últimas eleições, dois se registraram amarelos, 4 foram para a categoria indígenas, 60 pretos e 33 aparecem sem informação. Maior mudança dentre esse grupo, 259 pardos passaram a se declarar brancos.
Pode-se até dizer, talvez, que esse grupo tenha tomado essa consciência da negritude e estejam se afirmando", comenta a professora.
Eram pretos - Entre os 158 candidatos que se declararam pretos em 2016, 10 atualizaram para brancos, 37 para pardos e um para indígena. Outros 12 não tinham novos registros.
Um deles, com declaração que foi de preta para branca, Valdemar de Souza Cruz, de 70 anos, busca a reeleição a vereador em Iguatemi pelo PSDB. Nas eleições de 2016, quando declarado enquanto pessoa preta, Valdemar obteve sucesso no pleito ao se eleger, à época, pelo PEN. Ele disputava eleição com o nome social de "Valdemar da Causa Operária".
A reportagem tentou contato com o candidato por meio de três e-mails divulgados pela candidatura em diferentes bases de dados, mas não foi respondida até o momento de publicação.
A assessoria de imprensa nacional do partido frisou apenas que "trata-se de uma autodeclaração, de responsabilidade exclusiva do candidato declarante".
Dos demais candidatos que disputaram eleição em 2016 se declarando enquanto pretos, outros nove mudaram para branco. São eles:
- Verino Mineiro (PSOL) em Paranaíba.
- Dr. Dirceu (PT) em Itaquiraí.
- Sidinho (PSDB) em Ladário.
- Alessandro Brito (PTB) em Rio Brilhante.
- Tia Rose (DEM) em Itaporã.
- Baiana Jardim das Flores (PSDB) em Aparecida do Taboado.
- Cido Pantanal (PSDB).
- Marcão (PSB) em Água Clara.
- Valdir Amaral (Cidadania) em Dourados.
Demais grupos - Na população indígena, 48 dos 54 mantiveram mesma cor no registro. Quatro mudaram para pardo, e dois não têm informação cadastrada. Por fim, minoria no Estado, 11 candidatos se declararam como amarelos em 2016. Desses, apenas quatro mantiveram a etnia - um se declarou branco e outros seis para pardos.
"Tivemos em 2016 mesmo um grande números de candidaturas negras. Isso tem se configurado como uma tendência, essas pessoas estão se colocando efetivamente para fazer a disputa no quesito do parlamento. [A cota] é uma política pública que vem fazer reparação histórica, não é benefício, é reparação histórica do processo de exclusão da população", explica Catanante.
Para o levantamento feito pelo Campo Grande News, foram comparados os registros de candidaturas que apareceram nos dados de 2016 com os de 2020. Candidatos com CPF (Cadastro de Pessoa Física) duplicados no sistema foram desconsiderados. Dados originais podem ser consultados na página do Tribunal.