Políticos de MS deixam de prestar contas de R$ 60 milhões em emendas Pix
Simone Tebet nega falta de planejamento na LDO que privilegia emendas e pode cortar dinheiro do social
Na campanha de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou seu adversário, o ex-presidente Jair Bolsonaro, de ter entregue o controle do orçamento federal ao Congresso, abdicando de seu papel. Na mesma linha, a então candidata do MDB e hoje ministra do Planejamento, Simone Tebet, denunciou que o orçamento secreto e a farra das emendas parlamentares representavam “o maior escândalo de corrupção do planeta”.
RESUMO
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Políticos de Mato Grosso do Sul não prestaram contas de R$ 60 milhões em emendas Pix, um modelo de repasse de verbas com baixa transparência. O levantamento da Transparência Brasil revela que oito parlamentares do estado, 31 prefeituras e o governo estadual ainda não justificaram os gastos. O senador Nelsinho Trad lidera em emendas, seguido pelo deputado Rodolfo Nogueira. A situação reflete um avanço do Congresso sobre o orçamento federal, criticado por Lula e Simone Tebet durante a campanha de 2022. A falta de prestação de contas e o aumento das emendas geram preocupações sobre o equilíbrio fiscal e a alocação de recursos para áreas essenciais.
Na época, deputados e senadores geriam menos de R$ 19 bilhões. Ambos tinham razão, mas, três anos depois, um Lula conformado com a condição de refém e uma Simone com "cara de paisagem" assistem, sem reação, ao Congresso avançar cada vez mais sobre os recursos federais.
Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, já entregue no Senado, o valor de emendas atinge o recorde de R$ 53 bilhões — algo inédito no mundo na correlação entre poderes. Isso significa que cada um dos 594 parlamentares poderá gerir, em média, cerca de R$ 89,2 milhões. Caso a distribuição fosse igualitária, a bancada de Mato Grosso do Sul teria direito a aproximadamente R$ 981 milhões, mesmo com sérias pendências na prestação de contas de valores executados no ano passado.
Levantamento da Transparência Brasil, a pedido do Campo Grande News, detalha que oito parlamentares do Estado, 31 prefeituras — entre elas, a da Capital — e o governo de Mato Grosso do Sul ainda não prestaram contas sobre a aplicação de cerca de R$ 60 milhões em emendas Pix — modelo marcado por baixa transparência e rastreabilidade. A comprovação dessas despesas deveria ter sido feita até o fim de 2024.
O modelo Pix, que prevê a liberação de R$ 7,3 bilhões em 2025, é alvo de investigação da Polícia Federal desde que o ministro Flávio Dino, do STF, abriu guerra contra a "parlamentarização do orçamento", a ponto de suspender, no ano passado, a execução de todas as emendas. Entre 2019 e 2024, o Congresso abocanhou, sem prestar contas, R$ 186,7 bilhões, provocando um desarranjo institucional que desequilibra os poderes e inverte os papéis do Executivo e do Legislativo.

MS e as emendas Pix - De acordo com a Transparência Brasil, no topo da lista dos padrinhos das emendas Pix para Mato Grosso do Sul está o senador Nelsinho Trad (PSD), autor de emendas que somam R$ 27,2 milhões — sendo R$ 12 milhões para o governo do Estado e R$ 8,8 milhões para a Prefeitura de Campo Grande. Outros onze municípios receberam repasses menores, como Angélica, Naviraí e Sete Quedas, com valores entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões. No entanto, há comprovação de despesas de apenas R$ 67 mil em uma emenda de R$ 4 milhões destinada a Ivinhema.
Veja aqui a lista completa dos autores e destino das emendas da bancada de Mato Grosso do Sul.
O segundo maior volume de dinheiro é do deputado novato Rodolfo Nogueira (PL), com R$ 12 milhões — R$ 10,5 milhões para o governo estadual e R$ 1,5 milhão para a Prefeitura da Capital. Nogueira é o atual presidente da bancada da agropecuária na Câmara. O deputado Beto Pereira (PSDB) aparece em seguida, com R$ 9,8 milhões pulverizados em dez municípios, com destaque para Terenos (R$ 3 milhões).
O deputado Luiz Ovando (PP) destinou mais de R$ 5 milhões a nove municípios, sendo a maior parte para São Gabriel do Oeste (R$ 1,2 milhão). Já a senadora Soraya Thronicke (Podemos), líder da bancada de MS, destinou R$ 3,5 milhões a quatro municípios, sendo Miranda a maior beneficiada (R$ 1,7 milhão). Procurada pelo Campo Grande News, Soraya não respondeu aos pedidos de entrevista.
Entre os que destinaram valores menores, estão: Camila Jara (PT), com R$ 1,5 milhão para Campo Grande; Dagoberto Nogueira (PSDB), com R$ 1 milhão para Antônio João; e Marcos Pollon (PL), com R$ 280 mil para Dourados.
Embora o artigo 83 da LDO de 2024 estipule o dia 31 de dezembro como prazo para prestação de contas no Portal da Transparência, o Ministério da Gestão e Inovação adota uma interpretação polêmica de uma instrução normativa do TCU, considerando o prazo até 30 de junho do ano seguinte à transferência dos recursos — um "jeitinho" para evitar novos embates entre Lula e o Congresso.
"Cheque em branco" - A diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, explicou ao Campo Grande News que, apesar dos avanços, as emendas Pix continuam sendo uma espécie de “cheque em branco” para os beneficiários. Segundo ela, o Congresso avança sobre funções que deveriam ser exclusivas do Executivo — o planejamento e a execução de políticas públicas — sem critérios objetivos para a distribuição dos recursos. “Quem paga pela ineficiência gerada por essa prática é o governo federal, e não os parlamentares”, resume.
O projeto da LDO de 2026 prevê R$ 122,2 bilhões em despesas discricionárias, dos quais R$ 56,5 bilhões estão reservados para emendas. Com o limite imposto pelo arcabouço fiscal e a necessidade de pagamento de precatórios, o governo já prevê um déficit de R$ 10,9 bilhões em 2027, que pode saltar para R$ 87,3 bilhões em 2028 e atingir R$ 154 bilhões em 2029. Se nada mudar, faltarão recursos para áreas essenciais como saúde e educação.
Ao Campo Grande News, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, negou que tenha havido falta de planejamento. “Não, de forma alguma. O arcabouço fiscal veio justamente para mostrar que é preciso ser ainda mais rigoroso no controle de gastos”, afirmou. Segundo ela, o governo terá de continuar fazendo o "dever de casa" na área fiscal para evitar cortes em investimentos públicos.
Simone admitiu que, com o crescimento das despesas obrigatórias — como folha de pagamento, aposentadorias e programas sociais —, será necessário reforçar o controle e cortar desperdícios. “A preocupação é não faltar dinheiro para obras, saúde e educação, porque a Constituição é muito clara quanto aos percentuais que devem ser aplicados”, disse.
Curiosamente, três anos depois de criticar duramente o "sequestro" do orçamento pelo Congresso durante a campanha eleitoral, Simone vê seu partido, o MDB, assegurar em 2025 o segundo maior volume de emendas de comissão: R$ 2,5 bilhões — um modelo que, justamente por dificultar a identificação dos autores, esteve no epicentro da crise institucional.