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Política

Vereadores confundem funções e torram dinheiro público em viagens

Lidiane Kober | 19/06/2015 08:16
Vereadores de Aral Moreira em Brasília: papel invertido.
Vereadores de Aral Moreira em Brasília: papel invertido.

Não é nenhuma novidade ver foto de vereador todo orgulhoso no meio de autoridades em Brasília. As fotos rodam redes sociais para mostrar trabalho ao eleitor, ainda mais em ano de véspera de eleições. As viagens, no entanto, oneram os cofres públicos, o parlamentar embolsa diárias e, de concreto, pouco acontece, porque vereador não tem “peso político” em Brasília para barganhar investimentos, ainda mais em época de crise. Fora, que sua missão está bem longe do Distrito Federal.

Nesta semana, por exemplo, cinco vereadores da pequena Aral Moreira, a 367 quilômetros da Capital, estiveram em Brasília. Eles bateram na porta do Ministério dos Transportes, da Saúde, dos Correios e do gabinete do senador Delcídio do Amaral (PT). Na mira, investimentos para pavimentar a MS-165, federalizar a rodovia Sul Fronteira e reativar o centro cirúrgico do hospital da cidade.

Ninguém discute a importância das reivindicações. O fato é que Mato Grosso do Sul elegeu oito deputados federais e três senadores justamente para pleitear recursos federais ao Estado. Eles, ao contrário dos vereadores, tem poder de barganha com o votos no Congresso. Além disso, todos tem escritório nas cidades sul-mato-grossenses e recebem verba indenizatória para percorrer o Estado e ouvir as necessidades dos vereadores e da população em geral.

Por outro lado, segundo o cientista político Eron Brum, cabe ao vereador “atender a comunidade da cidade, manter diálogo com a população, verificar os problemas e fiscalizar o prefeito”. “A hora que o vereador começa a se preocupar em buscar recursos federais não será um bom vereador. Para isso temos deputados federais e senadores”, ressalta.

Para ele, sair da sua base eleitoral para viajar à Brasília “é gastar dinheiro público de forma equivocada”. “Ou está fazendo campanha antecipada para deputado, querendo se projetar ou gastando dinheiro da população de forma equivocada”, afirma o cientística político.

Doutor em Direito Constitucional e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Sandro Oliveira afirma que a viagem de um vereador à Brasília “não tem nenhum efeito prático”. “Quem apresenta as emendas são deputados e senadores. Não tenho dúvida que pedido de vereador não tem peso e nenhuma eficácia”, declara.

Para o advogado, visitas a ministérios para captação de verba “é medida inócua”. Pior ainda ele considera encontros com parlamentares. “Todos eles tem escritórios nas capitais, não haveria necessidade da viagem”, pontua. “Bastaria um telefonema para pedir apoio”, completa Eron Brum.

Na visão de Oliveira, a confusão de funções por parte dos vereadores é reflexo de “crise que o legislativo local passa”. “Eles não conseguem legislar sem que tenha a provocação do Executivo, acabam referendando, não criam projetos próprios, é uma cultura que se instalou”, analisa. “Acabam ficando reféns do prefeito por conta do duodécimo e tentam mostrar serviço à população com viagens”, acrescenta.

Com Wilson Gonçalves (Pros), Alexandrino Garcia (Pros), Giovani Corbari (PT) e Tito Bertoncello (PT), a vereadora Vera Cruz Bonaldo (PSB), foi à Brasília nesta semana. Ela reconhece que esse não é o papel deles, mas justifica à viagem à dificuldade da pequena Aral Moreira de receber recursos federais.

“É uma cidade pequena do interior, onde as emendas não chegam e o município está carente, precisamos reativar o centro cirúrgico”, comenta. Vera ainda se considera o “parachoque do cidadão” e “para honrar nosso salário, vamos buscar benfeitorias ondem elas estão”.

No entanto, quando questionada se a bancada federal não estaria cumprindo sua missão, a vereadora falou que não ouvia as perguntas. A partir daí, a ligação caiu. A reportagem repetiu por várias vezes a tentativa de conversar com ela, também ligou para o vereador Wilson. Os dois não atenderam mais os telefonemas, não retornaram e não deu tempo de perguntar quanto eles receberam de diária.

Viagem cara - Notícia estadual por conta da farra com as diárias, a Câmara Municipal de Três Lagoas pagou caro pelas viagens dos vereadores no ano passado. Foram R$ 671,8 mil gastos, valor suficiente para a prefeitura adquirir cinco ambulâncias.

Na cidade, cada vereador recebia R$ R$ 900 para viagens dentro do Estado e R$ 1.350 para outros Estados. Mas, após o escândalo vir à tona, em marco desde ano, os vereadores aprovaram projeto e estabeleceram valor de R$ 700, com acréscimo de 40% (R$ 280) para viagens acima de mil quilômetros (ida e volta).

A farra das diárias também explodiu em Ribas do Rio Parto e Naviraí. Em Ribas, no início do mês, a vereadora Lucineide Marques Nossa foi a oitava a perder o mandato, após investigação do Gaeco (Grupo de Atuação e Repressão ao Crime Organizado).

No município, em novembro de 2014, estourou a Operação Viajantes, que revelou que vereadores recebiam valores que variavam entre R$ 6 mil e R$ 8 mil com o pagamento de diárias, muitas delas que nunca aconteceram. O Ministério Público também investigou contratos superfaturados na Câmara e desmantelou um esquema que desviou mais de R$ 3,5 milhões, que envolvia além dos parlamentares, servidores da Câmara e empresários.

Em Naviraí, situação semelhante veio à tona na Operação Atenas. A Câmara instaurou Comissão Processante para cassar mais cinco vereadores que se beneficiaram da “farra das diárias”. A Casa de Leis tem ao todo 13 vereadores e dos oito afastados, dois tiveram o mandato cassado.

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