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Reportagens Especiais

Problema que ninguém vê, suicídio mata 5 vezes mais do que mostram estatísticas

MS é o quarto Estado no Brasil com maior taxa de casos e datas comemorativas não reforçam problema

Lucia Morel | 03/08/2023 13:12
Pericia e policial em local onde homem foi encontrado morto dentro de carro.
Pericia e policial em local onde homem foi encontrado morto dentro de carro.

“Estamos lidando com a realidade, que está batendo em nossas portas e as pessoas não querem ver”. É o que afirma o professor e capelão Edilson dos Reis sobre o suicídio. Especialista em manejo e prevenção a esse mal, ele atua há 34 anos na área e apesar do fim de ano parecer “carregado” desses casos, Reis sustenta que não há período do ano ou mesmo classe social quando se trata desse tema.

Responsável por curso na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) sobre prevenção, o especialista, que entre suas formações é psicólogo, afirma que há um estigma sobre o assunto no Brasil e isso acaba aumentando as chances de que essas mortes ocorram e sem que haja um cuidado adequado.

Mato Grosso do Sul é o quarto estado no Brasil com maior taxa suicídio, com 10,3 casos a cada 100 mil habitantes. MS fica atrás apenas de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Piauí, cujas taxas são 11,8; 11,0 e 10,6 a cada 100 mil habitantes respectivamente. Os dados são do boletim epidemiológico “Mortalidade por suicídio e notificações de lesões autoprovocadas no Brasil” do Ministério da Saúde, publicado em setembro do ano passado.

Já este ano, também em setembro, outro boletim, “Suicídio em adolescentes no Brasil, 2016 a 2021” mostra MS em segundo lugar no ranking nacional, com 10,71 casos a cada 100 mil habitantes, ficando atrás apenas de Roraima, cuja taxa é de 12,75 casos a cada 100 mil.

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“Estimativas globais indicam que um em cada sete adolescentes de 10 a 19 anos apresentam algum transtorno mental, sendo a depressão e os transtornos de ansiedade as condições mais frequentes”, cita o documento do Ministério da Saúde.

Os números da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) mostram que o ano de 2021 foi quando ocorreram mais suicídios desde 2012, com 234 casos. Este ano já foram 204, mas podem ser bem mais, já que há subnotificação, e a cada um registro, cinco deixam de ser listados oficialmente.

“A média é que ocorram de 40 a 50 suicídios no Brasil todos os dias, mas quando um é registrado, outros cinco deixam de ser, conforme estimativas da Organização Mundial da Saúde e Ministério da Saúde”, cita Reis, reforçando que as subnotificações ocorrem principalmente porque os casos podem ser lançados como morte a esclarecer, ou porque se o óbito ocorre posteriormente à tentativa, ele fica registrado como perfuração por arma de fogo ou intoxicação, por exemplo.

“Há ainda questões religiosas e as famílias muitas vezes não querem vincular as mortes a suicídio”, comenta o capelão.

Mitos – Reis afirma, sobre a base de quem lida há mais de 30 anos com esses casos, que não existe relação entre período do ano e ocorrências de suicídio. E as estatísticas mostram que ele está certo. O período de fim de ano, apesar de aparentar ser quando mais desses casos ocorrem, não estão atrelados a qualquer aumento.

Ano passado, por exemplo, conforme a Sejusp, maioria dos casos ocorreu em agosto, quando foram 30 ocorrências. O segundo mês com maior número foi fevereiro, com 25, e dezembro aparece em terceiro, com 23. Entretanto, nos anos de 2013 e 2019, por exemplo, o pico foi em julho, com 20 casos em cada um desses anos. Mas no final deles foram 15 e 12, respectivamente.

“Não existe relação com o período do ano, Natal, Ano Novo, Dia dos Pais, das Mães e não tem a ver com a pandemia também. Os números mostram que a tendência é essa no Brasil, aumentando gradativamente, enquanto em países como Inglaterra, Holanda, Suíça e Japão a incidência tem diminuído”, sustenta, jogando por terra outro mito: o de que em países de clima frio, casos de suicídio seriam mais comuns.

Para o especialista, esses períodos de datas comemorativas aparentam ter mais casos porque há uma divulgação além do normal. “Também é uma mentira que a divulgação de casos tenha relação com aumento ou incentivo ao suicídio”, reforça.

O capelão reforça ainda que “o suicídio atinge todas as camadas e grupos sociais e em todos os grupos religiosos. O suicídio é o ato mais democrático que existe e atinge a todos. Tanto que a preocupação hoje é justamente o fato de que crianças estão cometendo, e é preciso falar sobre isso”.

Fonte: Sejusp
Fonte: Sejusp

Tratamento – O especialista sustenta que é preciso derrubar o estigma e o tabu que há sobre o tema, e também o preconceito, já que “90% dos casos podem ser evitados com ajuda e tratamento”. Entretanto, é justamente essa ajuda que muitos não querem procurar.

“Esses países que citei estão conseguindo vencer com programas de prevenção eficiente. Japão tem um projeto que é ligado diretamente ao gabinete do primeiro-ministro. Na Inglaterra há um ministério sobre suicídio e depressão. Não são políticas de momento, são projetos de Estado e é isso que precisa haver no Brasil”, ressalta.

Ele explica ainda que os verdadeiros fatores de risco ao suicídio são as doenças mentais, especialmente a depressão, que até 2030 será a doença mais incapacitante do mundo, conforme a Organização Mundial da Saúde. “Uma das doenças de base que desencadeiam o suicídio é a depressão, que não é levada a sério como deveria”.

Reis cita que ela é uma doença progressiva e incapacitante, mas que na primeira melhora, a pessoa acometida acaba abandonando o tratamento por conta, o que aumenta os riscos de agravamento. Outro problema é a resistência em se iniciar o acompanhamento, que deve ser feito com psiquiatra e psicólogo.

“Há um estigma social de quem se trata com psiquiatra ou psicólogo é louco. Não. São pessoas em sofrimento psíquico, uma desordem mental que necessita de ajuda para melhorar o humor e isso só com medicamento e o psicólogo vai tratar a causa e dar suporte pra aguentar as angústias”, reitera.

Procure ajuda - Em Campo Grande, o GAV (Grupo Amor Vida) presta apoio emocional gratuito a pessoas em crise por meio de atendimento telefônico pelo número 0800 750 5554. Ligue sempre que precisar! O horário de funcionamento é das 7h às 23h, inclusive sábados, domingos e feriados.

Vítimas de depressão e demais transtornos psicológicos podem também buscar ajuda em escolas-clínicas de Psicologia, no Núcleo de Saúde Mental, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ou pelos telefones 141 e 188 CVV (Centro de Valorização da Vida), 190 da PM e 193 dos Bombeiros, que ajudam pacientes a romper o silêncio.

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